Redação do Site Inovação Tecnológica - 05/02/2024
Em busca de um quantum de som
As leis da física clássica não se aplicam completamente ao reino das moléculas e dos átomos, onde aparecem novos princípios como a dualidade onda-partícula e a incerteza de Heisenberg. Um dos grandes diferenciais é que tanto a matéria quanto a luz (em sentido amplo) podem se comportar tanto como ondas quanto como partículas.
Para "emergir" como uma partícula, aquilo que noutra situação se comporta como uma onda deve fundamentalmente ser formado por quantidades mínimas, ou quanta. Dito de outro modo, a onda-partícula só pode assumir valores discretos, e não contínuos, como os degraus de uma escada.
Essa possibilidade de "quebrar" tudo em um quantum mínimo está no cerne da mecânica quântica, o que tem levado os físicos a procurarem o quantum de tudo. E um dos que têm escapado de todas as tentativas é o quantum de vibração, o menor elemento que forma o som, por exemplo, ou o calor. Essas partículas são chamadas fônons.
O princípio básico para isolar um quantum de qualquer coisa é levá-lo ao seu estado fundamental de energia, o mais próximo possível do zero absoluto, onde tudo pára, criando então uma chance para se ver a coisa em seu âmago: A menor porção possível da coisa.
No caso do som, o estado fundamental de uma onda acústica de uma certa frequência pode ser obtido resfriando completamente o sistema. Desta forma, o número de partículas quânticas, os chamados fônons acústicos, que causam perturbações nas medições quânticas, pode ser reduzido a quase zero. Além de permitir eliminar os ruídos dos experimentos científicos e os erros dos qubits dos computadores quânticos, apenas para citar alguns exemplos, isso também permitirá fazer uma ponte entre a mecânica clássica e a mecânica quântica.
Estado fundamental de um sistema macroscópico
Na última década, foram feitos grandes avanços tecnológicos, tornando possível colocar uma grande variedade de sistemas em seu estado fundamental. Por exemplo, as vibrações mecânicas que oscilam entre dois espelhos em um ressonador podem ser resfriadas a temperaturas muito baixas até o estado fundamental quântico.
Mas ainda não havia sido possível fazer isto em fibras ópticas, onde podem se propagar ondas sonoras, ondas cujo comprimento é muito longo. E isso é muito interessante por várias razões, por exemplo, porque a luz e o som não ficam presos entre dois espelhos. Ao se propagar ao longo da fibra, as ondas acústicas existem como um continuum - não apenas para determinadas frequências - e podem ter uma ampla largura de banda, o que viabiliza experimentos totalmente novos sobre a natureza fundamental da matéria e da interação luz-matéria - além de serem promissoras para aplicações como sistemas de comunicação de alta velocidade.
Agora, Laura Martínez e colegas do Instituto Max Planck para a Ciência da Luz, na Alemanha, deram um passo importante para atingir esse objetivo.
A equipe conseguiu reduzir a temperatura de uma onda sonora em uma fibra óptica da temperatura ambiente para 219 K usando resfriamento a laser, o que é 10 vezes mais frio do que havia sido conseguido até hoje. Nesse ponto, o número de fônons inicial foi reduzido em 75% (a uma temperatura de -194 ºC).
O resfriamento das ondas sonoras em propagação foi conseguido através do efeito óptico não linear do espalhamento estimulado de Brillouin, no qual as ondas de luz são acopladas às ondas sonoras. Através desse efeito, a luz do laser resfria as vibrações acústicas e cria um ambiente com menos ruído térmico que é, até certo ponto, um ruído "perturbador" para um sistema de comunicação quântica, por exemplo.
Entusiasmo e aplicações
A maioria dos sistemas físicos levados para o estado fundamental quântico são microscópicos. No entanto, neste experimento o comprimento da fibra óptica era de 50 cm, e uma onda sonora que se estendia por todos os 50 cm do núcleo da fibra foi resfriada a temperaturas extremamente baixas.
"Estes resultados são um passo muito emocionante em direção ao estado fundamental quântico em guias de onda, e a manipulação de fônons acústicos tão longos abre possibilidades para aplicações de banda larga em tecnologias quânticas," disse a professora Birgit Stiller, cuja equipe recentemente criou vórtices de luz para transportar mais informações em fibras ópticas e em chips.
"Estamos muito entusiasmados com os novos insights que a introdução destas fibras no estado fundamental quântico trará. Não só do ponto de vista da investigação fundamental, que nos permite investigar minuciosamente a natureza quântica dos objetos extensos, mas também pelas aplicações que isto poderá ter em esquemas de comunicações quânticas e futuras tecnologias quânticas," concluiu Stiller.