Com informações da BBC - 13/12/2015
Vida em Encélado?
A sonda Cassini, um projeto conjunto da ESA e da Nasa, além de ter feito a mais bela foto já vista do planeta Saturno, fez descobertas importantes, como um acelerador de partículas natural ao redor do planeta, por exemplo.
Mas nada supera as revelações extraordinárias sobre a lua Encélado.
A Cassini detectou grandes jatos de vapor d'água e outros materiais jorrando de rachaduras no polo sul dessa lua congelada de 500 km de diâmetro. O "encanamento" dos jatos de vapor leva a um amplo reservatório de água que pode atingir até 40 km de profundidade.
Esses gêiseres tornam esse pequeno mundo um dos melhores locais para se buscar vida fora da Terra.
Os instrumentos da Cassini puderam mostrar, sobrevoando e analisando as emissões de materiais, que as condições e a química desse oceano subterrâneo podem dar suporte à vida microbiana. Há fortes indícios de que a água esteja interagindo com rochas no leito do oceano, para produzir o tipo de coquetel de nutrientes que poderia alimentar pequenos organismos.
"Eu me interesso há décadas pela busca por vida no Sistema Solar e ainda estou espantado com o que estamos vendo em Encélado. É um pequeno mundo tão distante da Terra, expelindo uma riqueza de material orgânico, água e indícios de habitabilidade. É surpreendente, e as amostras estão bem ali, livres para coleta", disse Chris McKay, astrobiólogo da Nasa.
Sonda para procurar sinais de vida
Mas mesmo com toda sua capacidade, a Cassini, com sua tecnologia dos anos 1980 e 1990, não pode comprovar em definitivo a presença de micróbios sob a superfície gelada de Encélado. A sonda foi lançada em outubro de 1997 e chegou a Saturno em julho de 2004, depois de enviar sua companheira Huygens para aterrissar em Titã, outra promissora lua de Saturno.
Para isso, seria preciso um outro tipo de sonda espacial, com sensores apropriados para a busca de vida e identificação de material orgânico.
A Cassini irá fazer uma última manobra de aproximação da lua na próxima semana para coletar uma leva final de imagens detalhadas da superfície. Depois irá se deslocar pelo sistema de Saturno em preparação para observações finais do planeta dos anéis.
Assim, estamos quase dando adeus a Encélado, o que já motiva conversas sobre como podermos voltar um dia com equipamentos mais potentes.
Localizador de vida em Encélado
Jonathan Lunine é um cientista interdisciplinar na missão Cassini na Universidade Cornell, nos EUA. Ele desenvolveu um conceito para uma espaçonave que chamou de ELF (Encélado Life Finder, ou localizador de vida em Encélado, em tradução livre).
Seria uma sonda menor do que o satélite gigante que hoje orbita Saturno, mas a perda em tamanho (e custo) seria compensada pela sofisticação. Seus instrumentos seriam voltados à análise do conteúdo dos jatos de vapor para verificar qualquer componente químico associado a processos biológicos.
"Com espectrômetros de massa potentes, poderíamos detectar e identificar aminoácidos (matéria prima das proteínas)", afirma. "Teríamos capacidade de detectar ácidos graxos presentes em membranas de células de bactérias; e seus 'primos', os chamados isoprenóides, que estão na membrana das arqueobactérias, esses micróbios que habitam ambientes extremos da Terra.
"Também poderíamos contar o número de carbono dos jatos para verificar se seguem o padrão de vida. E finalmente mediríamos os isótopos (espécies do mesmo elemento químico, de mesmo número atômico e diferentes números de massa) de todo o carbono, nitrogênio e oxigênio, para ver se a química é parecida com a que ocorre na Terra, onde organismos preferem os isótopos mais leves ao processar esse material em seus sistemas."
Porém, o ELF foi submetido a uma competição recente da Nasa para selecionar missões planetárias futuras, mas não foi escolhido - ele terá que se candidatar novamente em outras rodadas.
Plutônio 238
Um dos problemas em missões mais distantes da Terra - no "espaço profundo", como a Nasa as chama - é a disponibilidade de energia em um ponto tão longe do Sol (1,4 bilhão de km).
A sonda Cassini utiliza uma "bateria nuclear", movida a plutônio-238, para todas as suas demandas de energia. Essa fonte é cara e hoje há um estoque reduzido do material - o isótopo não existe naturalmente e parou de ser fabricado após o fim da corrida nuclear no mundo.
Painéis solares são uma opção, porém o desafio é grande: a intensidade da luz do Sol em Encélado é um centésimo da que atinge a Terra.
Vida lançada ao espaço
Apesar disso, a possibilidade de voltar a essa lua branca e brilhante de Saturno é tão instigante que um caminho certamente será descoberto. Não só porque Encélado é um dos melhores lugares para a busca de vida extraterrestre - é também o mais fácil.
Diferentemente de Marte ou de Europa (lua de Júpiter), em Encélado não há necessidade de pouso e perfuração do solo para coleta e análise de amostras. As amostras são permanentemente lançadas no espaço pelos jatos do polo sul.
Peter Tsou, do laboratório de propulsão de foguetes do Instituto de Tecnologia da Califórnia, tem um projeto para trazer essas amostras de volta à Terra para avaliação mais detalhada em laboratórios de ponta. Sua missão se baseia no modelo da sonda Stardust, que em 2006 coletou amostras de poeira de dois cometas.
A sonda usou um arranjo de espuma de dióxido de silício, chamado aerogel, para coletar as amostras enquanto a sonda Stardust voava por nuvens de gás e poeira dos cometas. A sonda possuía 132 cubos aerogel de 2x4x3 cm, mas a equipe conclui que não era necessário tanto.
"Então não precisamos de muitos (cubos de aerogel). Contudo, o desafio é a dimensão reduzida das amostras, e que estamos tratando de vida. Qualquer contaminação da Terra pode arruiná-las, porque poderíamos descobrir (após a análise) 'É a minha saliva!'", afirma.
Tsou calcula que uma missão de coleta de amostras de Encélado poderia levar 14 anos, do lançamento à presença de material lunar em um laboratório na Terra.
Outras formas de vida
"Se descobrirmos vida em um lugar como Encélado obviamente será algo simples, como vida microbiana", afirma Carolyn Porco, que cuida das câmeras da Cassini. "Claro que seria fascinante se descobríssemos lagostas; quem sabe? Talvez. Mas estamos mirando em algo simples, apenas provas de vida microbiana."
"Seria uma mudança de paradigma. Qual o tipo de vida que existe ali? É como a vida na Terra ou não? É baseada no DNA ou não? Seria uma descoberta enorme, provavelmente a maior descoberta científica que possamos fazer. Temos que voltar," entusiasma-se a pesquisadora.
Para Jonathan Lunine, se Encélado revelar sinais de vida, isso trará a certeza de que "a vida teve uma segunda origem" - uma forma de vida como não conhecemos.
"Mas isso também nos permitirá, acredito, mover nossa atenção para a galáxia, e perceber que, se a vida pode começar duas, três ou quatro vezes em nosso próprio Sistema Solar, quantos planetas habitáveis na galáxia devem ter vida hoje?" conclui Lunine.