Com informações da Agência Fapesp - 11/12/2013
Uma perspectiva para o futuro - e um futuro relativamente próximo - é que, com um único dispositivo, como o telefone celular, por exemplo, possamos controlar as múltiplas funções do dia a dia: acender e apagar as luzes, ligar e desligar televisores, pagar compras no supermercado, passar na catraca do metrô etc.
O cenário, que pouco tem de ficção e muito de ciência, foi esboçado pelo físico José Arana Varela, professor titular da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
"A memória será o fator central. Conectada a diferentes circuitos, uma única memória poderá realizar múltiplas funções. E essa memória será composta de material eletrocerâmico," disse Varela.
As maiores autoridades mundiais nas pesquisas de materiais eletrocerâmicos reuniram-se para discutir essas possibilidades em João Pessoa (PB), em um evento internacional chamado International Conference on Electroceramics.
"Trouxemos a João Pessoa cerca de 60 pesquisadores de altíssimo nível dos Estados Unidos, da Europa, da China, do Canadá, da Austrália, da Índia e de outras procedências, criando uma ótima oportunidade de interação para os pesquisadores e estudantes brasileiros", afirmou Reginaldo Muccillo, do IPEN.
Estavam presentes, entre outros, Sossina Haile (Material cerâmico converte energia solar em combustível veicular e Eletrólito sólido-ácido poderá viabilizar células a combustível) e Ramamoorthy Ramesh (Spintrônica: Magnetismo pode ser ligado e desligado).
Eletrocerâmicas
As cerâmicas vêm sendo utilizadas pela humanidade há milhares de anos. "Mas, até os últimos 50 anos, ninguém se importava com suas características elétricas. Esse interesse foi despertado pelo desenvolvimento das indústrias eletrônica e microeletrônica," disse Harry Tuller, do MIT.
"As pessoas envolvidas nessas indústrias perceberam que necessitavam de certas características que não podiam ser atendidas pelas cerâmicas convencionais. Foi a partir daí que ocorreu o desenvolvimento das eletrocerâmicas - não apenas para a fabricação de componentes eletrônicos comuns, mas também, e cada vez mais, para cumprir muitas outras funções", acrescentou o pesquisador.
"A peculiaridade das eletrocerâmicas é que elas respondem de alguma maneira à presença de um campo eletromagnético, apresentando variações na resistividade elétrica, na permeabilidade magnética ou em outros parâmetros elétricos ou magnéticos", explicou Muccillo.
As eletrocerâmicas englobam principalmente óxidos semicondutores de elementos metálicos, como o zircônio, o estanho, o cério e outros.
"Por suas características, eles podem ser utilizados como sensores, na produção alternativa de energia (em células fotovoltaicas, que convertem a luz em eletricidade, ou em células a combustível), na fabricação de memórias ferroelétricas (já utilizadas, atualmente, em smartcards)," disse Muccillo.
"A evolução no setor tem sido aceleradíssima. A eletrocerâmica que conhecemos hoje é muito diferente daquela de 10 anos atrás, quando foi realizada a primeira International Conference on Electroceramics. Falamos agora em tecnologias embarcadas - embarcadas em cima do chip de silício, agregando-lhe novas funcionalidades", comentou Varela.
Limites da miniaturização
Tuller destacou duas tendências, aparentemente opostas, mas de fato complementares: a que chamou de "race to the bottom" (corrida para a base), com a confecção de dispositivos cada vez menores, já na ordem de grandeza de alguns nanômetros; e a que chamou de "race to the top" (corrida para o topo), com a produção de telas cada vez maiores, como as telas de cristal líquido dos computadores, televisores e placares luminosos atuais.
"A grande revolução ocorrida nos anos recentes e que deve se intensificar nos próximos anos é que os sensores, antes grandes e pesados, foram, e continuam sendo, cada vez mais miniaturizados e integrados em um único chip, com múltiplas funções. A demanda é por dispositivos menores, capazes de integrar mais e mais funções, que sejam acessíveis e baratos. Simultaneamente, buscamos telas ou painéis para captação de energia solar cada vez maiores", disse Tuller.
Já estamos, no entanto, perto de um limite tanto em um sentido quanto no outro. "O processo de miniaturização não pode ser extrapolado indefinidamente. É preciso evoluir para novos conceitos. E há hoje vários estudos nesse sentido. Ao mesmo tempo, apesar do incrível sucesso da tecnologia LCD, existe a necessidade e a possibilidade de um desenvolvimento ainda maior, talvez de outra magnitude, com o emprego de eletrocerâmicas em lugar de cristal líquido", afirmou Tuller.
Memória resistiva
Uma propriedade das eletrocerâmicas que recebe especial atenção, segundo Varela, é a chamada memória resistiva - isto é, o fato de que a resistência elétrica do material, que varia de acordo com a tensão aplicada, não volta ao mesmo valor inicial quando a tensão é retirada.
Esse duplo valor da resistência - antes e depois de aplicada a tensão - cria um binário. E, como se sabe, binários são suportes para o armazenamento de dados.
"A memória resistiva faz dos óxidos semicondutores fortes candidatos para a confecção de dispositivos nanoestruturados, com alta densidade de armazenamento de informações, capazes de integrar toda a microeletrônica. Essa é a memória que está sendo estudada no momento e poderá causar uma nova revolução na microeletrônica. Essa memória, suficientemente grande e estável, poderá integrar, sozinha, as funções de um número enorme de circuitos", disse o professor da Unesp.
"O entendimento dessas memórias resistivas traz um grande desafio para os físicos. Precisamos entender a física quântica desses sistemas cujas dimensões já estão bem próximas da escala atômica. Sabemos que existe o fenômeno, mas, sem entendê-lo em profundidade, será impossível conseguir a reprodutibilidade, que é o que a indústria pede. Precisamos ser capazes de produzir milhões de peças, todas com variações muito pequenas nas propriedades", afirmou.