Redação do Site Inovação Tecnológica - 29/08/2023
Além da eletrobiologia
Quando a natureza realiza reações químicas para criar compostos ricos em energia a partir de moléculas simples, ela necessita de uma entrada de energia.
Nós tentamos imitar isto para criar uma química mais verde e produzir combustíveis limpos, mas falar é mais fácil do que fazer porque o suprimento de energia da natureza é muito diferente daqueles que nossa tecnologia desenvolveu.
Agora, pela primeira vez, pesquisadores alemães conseguiram conseguiram alimentar processos bioquímicos similares aos naturais usando eletricidade produzida pelo homem, gerada externamente ao próprio sistema químico.
Shanshan Luo e colegas do Instituto Max Planck de Microbiologia Terrestre desenvolveram uma via metabólica artificial que utiliza eletricidade para produzir ATP, um transportador de energia bioquímica.
Produção de ATP com eletricidade
A equipe vinha explorando processos de fotossíntese artificial para produzir compostos que podem ir de alimentos a combustíveis. Essa abordagem de biologia sintética imita a forma como a fotossíntese nas plantas converte o dióxido de carbono. Mas, assim como o processo natural, a fotossíntese sintética exige energia.
A moeda de troca da energia química na natureza é o ATP (trifosfato de adenosina). Sua energia fica localizada na ligação química: A quebra dessas ligações libera energia, que então alimenta os processos bioquímicos.
O que Luo conseguiu agora foi alimentar esses processos bioquímicos usando eletricidade fornecida externamente. E, para fazer jus às suas propostas de uma economia verde, eles pretendem que essa eletricidade venha da energia solar ou da energia eólica.
Como o ATP pode ser diretamente usado para formar compostos químicos ricos em energia, como amido ou proteína, essa nova via metabólica proporciona uma abordagem totalmente nova para uma bioeconomia sustentável e com impacto neutro no clima.
Ciclo AAA
A equipe desenvolveu uma cascata enzimática, chamada "ciclo AAA", que usa quatro biocatalisadores para produzir ATP por meio de corrente elétrica. A primeira enzima, e a principal, chamada aldeído ferredoxina oxidorredutase (AOR), reduz um ácido a um aldeído.
Os pesquisadores descobriram o AOR em uma bactéria ainda pouco conhecida cientificamente, chamada Aromaticum aromatoleum, quando tentavam cultivar o micróbio em condições de laboratório sem oxigênio para estudar sua capacidade de degradar o petróleo na natureza. No final, esta descoberta ao acaso e descompromissada se transformou no núcleo do ciclo AAA.
"A energia elétrica é armazenada na ligação aldeído. As três enzimas restantes são responsáveis pela regeneração do aldeído. Esse processo libera energia que é usada para gerar ATP," explica Luo.
O ATP do ciclo AAA pode ser usado para alimentar reações químicas, como a produção de glicose-6-fosfato, o alicerce do amido, ou para a síntese de proteínas.
Sucesso e próximos passos
"Nunca foi possível alimentar reações bioquímicas dependentes de ATP com eletricidade. O ciclo AAA agora é capaz de converter diretamente energia elétrica em energia bioquímica," contextualizou o professor Tobias Erb. "Isto permitirá a síntese de recursos valiosos e ricos em energia, como amido, biocombustíveis ou proteínas, a partir de blocos de construção celulares simples - no futuro, até mesmo a partir de dióxido de carbono. Poderá até ser possível utilizar moléculas biológicas para armazenar energia elétrica."
No entanto, ainda há muito trabalho a ser feito antes que esta prova de conceito possa ser usada em aplicações práticas. As enzimas ainda carecem de estabilidade e se decompõem quando expostas ao oxigênio. Atualmente, apenas pequenas quantidades de energia são convertidas. Portanto, antes que esta inovação possa ser utilizada em escala industrial, os cientistas têm muito trabalho a fazer.