Redação do Site Inovação Tecnológica - 26/03/2024
Efeito da agitação de uma molécula
Uma borboleta bate suas asas no Brasil, desencadeando "microbrisas" que então darão início a uma cadeia de eventos que poderá culminar, quem sabe, em um tornado no Texas.
Embora possamos comumente usar a frase para denotar a interconexão de nossas próprias vidas, o termo efeito borboleta está normalmente associado à teoria do caos, cuja expressão mais completa é que um sistema caótico tem grande sensibilidade a alterações em seus parâmetros iniciais, ou seja, mesmo pequenas mudanças nas condições iniciais do sistema podem ter grandes efeitos ao longo do tempo.
Agora, Dmytro Bandak e colegas da Universidade da Califórnia de San Diego, nos EUA, levaram o efeito borboleta ao extremo, mostrando que não precisamos nem mesmo de uma borboleta batendo as asas: Basta uma molécula e seu movimento browniano aleatório para dar o pontapé inicial em uma cadeia de eventos de longo alcance.
"O que descobrimos é que, em sistemas turbulentos, uma perturbação muito pequena em um ponto terá um efeito amplificado num ponto finito no futuro, mas através de um mecanismo que é mais rápido do que o caos," resumiu o professor Nigel Goldenfeld, coordenador da pesquisa.
Embora o mecanismo matemático para esta amplificação, conhecido como estocasticidade espontânea, tenha sido descoberto há cerca de 25 anos, esta é a primeira vez que se demonstra que o movimento aleatório das moléculas - responsável pela emergência do fenômeno trivial da temperatura - pode gerar estocasticidade espontânea, produzindo efeitos mensuráveis mais tarde.
Cálculo da turbulência
A equipe utilizou o ruído térmico para sua demonstração porque ele está sempre presente, sendo facilmente perceptível, por exemplo, no chiado do aparelho de som quando nenhuma música está tocando. Esse chiado é resultado dos elétrons se movendo dentro dos componentes eletrônicos; em um fluido, a temperatura resulta dos movimentos das moléculas, em vez dos elétrons.
O modelo padrão para calcular esses fluxos turbulentos é conhecido como equação de Navier-Stokes, mas é computacionalmente inviável usá-la para simular eventos turbulentos extremos, o que seria necessário para demonstrar de forma convincente as afirmações teóricas da equipe.
Em vez disso, eles usaram uma equação simplificada, o que foi suficiente para mostrar que uma perturbação na escala de micrômetros (um milionésimo de metro) pode fazer com que sistemas fluidos inteiros apresentem estocasticidade espontânea de uma forma que não depende da fonte inicial da perturbação.
"Por enquanto, isso terá que servir, mas esperamos que futuros cálculos de supercomputadores sejam capazes de confirmar nossos resultados usando as equações completas dos fluidos," disse Goldenfeld.
Imprevisibilidade intrínseca
Também para simplificar, em vez de imaginar fenômenos moleculares, pense em um pequeno galho que cai em um rio: Embora você possa notar uma pequena perturbação na água onde o galho cai, ninguém imagina que essa ligeira perturbação vá criar turbulência, correntes circulares e redemoinhos rio abaixo.
No entanto, é precisamente isso que os pesquisadores acabam de demonstrar, por meio do mecanismo da estocasticidade espontânea: A aleatoriedade surge mesmo que se esperasse que o movimento do fluido fosse previsível. A equipe também demonstrou que a estocasticidade espontânea acontece independentemente da perturbação inicial. Quer seja um galho, uma pedra ou um torrão de terra, a aleatoriedade que você obtém em grande escala é a mesma. Em outras palavras, a aleatoriedade é intrínseca ao processo.
Além disso, seria impossível identificar o galho que originalmente gerou os redemoinhos rio abaixo. Na verdade, pode não haver qualquer perturbação no fluxo de água onde o galho está localizado. Vá levando isso "para baixo" e você chegará a uma única molécula agitando-se de determinado modo.
Essas descobertas têm grande impacto em uma ampla gama de campos de pesquisa e aplicações práticas, como na climatologia. É essa aleatoriedade que torna tão difícil prever com precisão o tempo com mais de algumas horas de antecedência. As estações meteorológicas coletam amostras do clima em locais selecionados e simulações de computador as unem. Mas, sem saber o clima exato em todos os lugares no momento, é difícil prever o clima exato em todos os lugares no futuro. Este trabalho sugere a possibilidade de que sempre existirão limites fundamentais porque a aleatoriedade sempre aparecerá.
Também pode haver implicações na pesquisa astrofísica. Os cientistas já entendem que as simulações computacionais de como as galáxias são formadas e como o nosso Universo evoluiu são sensíveis ao ruído. Muitas vezes, o comportamento das estrelas, planetas e galáxias não pode ser facilmente explicado e pode ser atribuído aos tipos de ruído microscópico que a equipe acaba de descobrir.