Redação do Site Inovação Tecnológica - 10/08/2023
Demônio de Pines
Em 1956, o físico teórico David Pines [1924-2018] previu que os elétrons em um sólido poderiam fazer algo estranho: Embora eles normalmente tenham uma massa e uma carga elétrica, em determinadas situações eles poderiam se combinar, formando uma partícula composta sem massa, neutra e que não interage com a luz.
Essa partícula passou a ser conhecida como "demônio de Pines", e não faltaram sugestões de que ela poderia estar envolvida em fenômenos de largo interesse, como na supercondutividade.
Agora, 67 anos depois, físicos finalmente conseguiram observar experimentalmente um demônio de Pines, comprovando sua existência - existem outras partículas demônio, como o famoso demônio de Maxwell.
"Os demônios foram conjecturados teoricamente há muito tempo, mas os experimentalistas nunca os estudaram. Na verdade, nem estávamos procurando por ele. Mas descobrimos que estávamos fazendo exatamente a coisa certa e o encontramos," contou o professor Peter Abbamonte, da Universidade de Illinois, nos EUA.
A equipe estava estudando um composto chamado rutenato de estrôncio (Sr2RuO4) por uma razão muito interessante: Esse metal é semelhante aos supercondutores de alta temperatura, mas não é um supercondutor. Na esperança de encontrar explicações para o enigma, eles realizaram o primeiro levantamento de suas propriedades eletrônicas.
Foi quando o demônio de Pines saiu de seu esconderijo, mostrando-se de modo inquestionável.
Partícula demônio
Uma das descobertas mais importantes da física da matéria condensada é que os elétrons perdem sua individualidade nos sólidos. As interações elétricas fazem com que os elétrons se combinem para formar unidades coletivas, como os bem conhecidos pares de Cooper da supercondutividade. Se tiverem energia suficiente, eles podem até formar partículas compostas, chamadas plásmons, com uma nova carga e massa determinadas pelas interações elétricas desse plasma.
Contudo, sua massa geralmente é tão grande que os plásmons não conseguem se formar com as energias disponíveis à temperatura ambiente.
O professor Pines encontrou uma exceção a essa regra em 1956: Se um sólido tiver elétrons em mais que uma banda de energia, como acontece em muitos metais, seus respectivos plásmons podem se combinar em um padrão fora de fase, formando um novo plásmon sem massa e sem carga (neutro). Algo tão estranho só poderia receber um nome: um demônio.
Como os demônios não têm massa, eles podem se formar com qualquer energia, portanto podem existir em todas as temperaturas. Isso levou à especulação de que eles têm efeitos importantes sobre o comportamento dos metais multibandas - metais nos quais os elétrons têm vários caminhos disponíveis para se mover, o que pode levar a uma variedade de propriedades interessantes, como supercondutividade, magnetismo, ondas de densidade de carga ou fases topológicas.
Veja o que há lá
Ninguém até hoje havia visto essa partícula fugidia porque o fato de os demônios serem neutros significa que eles não deixam uma assinatura nos experimentos de matéria condensada. "A grande maioria dos experimentos é feita com luz e mede propriedades ópticas, mas ser eletricamente neutro significa que os demônios não interagem com a luz. Um tipo completamente diferente de experimento era necessário," explicou Abbamonte.
E calhou de essas condições terem sido atendidas quando a equipe estudava o rutenato de estrôncio.
"Isso mostra a importância de ficarmos meramente medindo as coisas," disse Abbamonte. "A maioria das grandes descobertas não são planejadas. Você procura em algum lugar novo e vê o que há lá."