Com informações do MIPT - 18/01/2019
Demônio sem maldade
O demônio de Maxwell é um dispositivo que viola a Segunda Lei da Termodinâmica no reino quântico.
Esse "demônio" - que nada tem de diabólico - é uma nanomáquina idealizada teoricamente pelo físico James Clerk Maxwell, em 1867, capaz de manipular moléculas quentes e frias conforme elas fluem entre dois recipientes por um canal. Dando à nanomáquina a capacidade de selecionar entre as moléculas quentes e frias, ela pode fazer o calor fluir na contramão, diminuindo a entropia.
A nanotecnologia finalmente permitiu transformar a ideia de Maxwell em realidade, e vários experimentos têm demonstrado que é possível detonar com a Segunda Lei da Termodinâmica em nanoescala.
Agora, uma equipe internacional de pesquisadores descreveu um demônio de Maxwell "estendido", que faz seu trabalho em um sistema localizado de 1 a até 5 metros de distância do próprio demônio.
Se não se tornou exatamente diabólico, esse sim, parece ser um demônio "mágico", no sentido que Einstein um dia atribuiu ao entrelaçamento quântico, chamando-o de "ação fantasmagórica à distância". Ou, se você prefere termos mais afeitos à ciência, este é um demônio de Maxwell capaz de teletransportar suas maquinações.
De fato, não há fantasmas e nem magia envolvida. Além disso, todos os demônios quânticos de Maxwell descritos ou criados até agora tinham um alcance limitado: Eles ficavam "sentados" ao lado do objeto sobre o qual operavam.
Podendo operar à distância - e são distâncias descomunais no campo da mecânica quântica - esse dispositivo poderá ter aplicações nos computadores quânticos e em refrigeradores microscópicos, resfriando pequenos objetos com grande precisão, algo essencial para os experimentos em nanoescala.
Pureza demoníaca
A Segunda Lei da Termodinâmica estabelece que a entropia - isto é, o grau de desordem ou aleatoriedade - de um sistema isolado nunca diminui.
"Nosso demônio faz com que um dispositivo chamado qubit faça uma transição para um estado mais ordenado. É importante ressaltar que o demônio não altera a energia do qubit e age a uma distância enorme para a mecânica quântica," explicou Andrey Lebedev, que idealizou a nanomáquina com seus colegas do Instituto de Física e Tecnologia de Moscou e do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (ETH), na Suíça.
A equipe propõe que o qubit seja implementado como um átomo artificial supercondutor. Esse qubit pode ser feito de finas películas de alumínio depositadas em um chip de silício. Esse sistema é chamado de átomo artificial porque suas temperaturas estão próximas do zero absoluto, quando então se comporta como um átomo com dois estados básicos: fundamental e excitado, ou energizado - em termos de um qubit, isso é conhecido como estados "puro" e "impuro".
Se o qubit estiver em um dos dois estados básicos, mas não se souber ao certo em qual deles ele está, seu estado é chamado de "impuro". Se for esse o caso, pode-se calcular uma probabilidade clássica para fazer uma medição e flagrar o átomo artificial em um dos dois estados.
No entanto, assim como em um átomo real, o qubit pode estar em uma superposição quântica dos estados fundamental e excitado. Esse assim chamado estado puro, que desafia a noção clássica de probabilidade, está associado a mais ordem e, portanto, menos entropia. Ele só pode existir por uma fração de segundo, antes de degenerar de volta para um estado impuro.
Unindo o demônio à sua presa
O demônio em si é outro qubit, conectado ao primeiro por um cabo coaxial por onde trafegam sinais de micro-ondas. Uma consequência do princípio da incerteza de Heisenberg é que, uma vez conectados por uma linha de transmissão, os qubits começam a trocar fótons virtuais, que são partes da radiação de micro-ondas. Essa troca de fótons permite que os qubits troquem seus estados.
Se um estado puro é artificialmente induzido no demônio, ele pode então trocar de estado com o qubit que ele controla à distância, dotando-o de "pureza" em troca de um estado impuro de mesma energia.
Ao purificar o qubit alvo, sua entropia é reduzida, mas sua energia não é afetada. O efeito é que o demônio canaliza a entropia para longe de um sistema isolado em termos de energia - ou seja, o qubit alvo. Isso resulta na aparente violação da Segunda Lei da Termodinâmica, se o qubit alvo for considerado localmente.
Como o demônio precisa ser "inicializado" antes de cada interação com o qubit, alguma energia é inevitavelmente gasta no local onde está o demônio. Isso significa que, globalmente, a Segunda Lei permanece válida.
Refrigerador e computador quântico
Ser capaz de purificar um alvo de uma distância macroscópica é importante do ponto de vista prático. Ao contrário do estado impuro, o estado puro pode ser chaveado entre fundamental e excitado de uma maneira relativamente simples e previsível, usando um campo eletromagnético.
Essa operação pode ser útil em um computador quântico, cujos qubits precisam ser postos no estado fundamental na inicialização. Fazer isso à distância é importante, já que a presença de um demônio próximo ao computador quântico o afetaria de maneiras adversas, maneiras estas comumente enfeixadas sob o rótulo de "ruído".
Outra possível aplicação do demônio tem a ver com o seguinte: Mudar o qubit alvo para o estado puro e subsequentemente para o estado fundamental torna o ambiente ao seu redor um pouco mais frio. Isso transforma o sistema proposto em um refrigerador nanométrico capaz de resfriar partes de moléculas ou átomos com precisão.
Esse ciclo de resfriamento - ou, feito ao contrário, de aquecimento - pode ser executado repetidamente, desde que o qubit alvo retenha seu estado puro por um breve período, após o qual ele entra no estado impuro, consumindo ou emitindo a energia térmica para o ambiente. Com cada iteração, o local onde está o qubit torna-se progressivamente mais frio ou mais quente, respectivamente.