Redação do Site Inovação Tecnológica - 17/06/2024
Controle da emissão de calor
Em inúmeras situações, as coisas podem literalmente esquentar. Algumas vezes queremos isso, como quando a intenção é gerar energia, alimentar processos industriais ou manter os equipamentos de satélites artificiais aquecidos no lado notuno; outras vezes queremos evitar isso, como ocorre dentro dos processadores de computador, quando um motor ameaça sair de sua condição ótima ou quando os equipamentos dos satélites esquentam demais no lado diurno de sua órbita.
Assim, é quase inumerável a gama de situações em que seria muito oportuno controlar a saída ou absorção de calor de um objeto, dosando sua emissão de calor.
Foi justamente isso que conseguiram agora Said Ergoktas e colegas de uma equipe internacional, que desenvolveram um método para controlar a emissão térmica de um material.
A técnica envolve uma interface que une duas superfícies com propriedades geométricas diferentes, o que permite concentrar as emissões térmicas de ambas as superfícies, criando um emissor térmico "perfeito". Isso significa que a interface pode emitir calor a partir de áreas específicas e circunscritas, que apresentam emissividade unitária, ou pode emitir a radiação térmica mais forte possível em uma determinada temperatura.
"Nós demonstramos uma nova classe de dispositivos térmicos usando conceitos de topologia - um ramo da matemática que estuda propriedades de objetos geométricos - e de fotônica não-Hermitiana [ganhos e perdas de energia não lineares], que é uma área florescente de pesquisa que estuda a luz e sua interação com a matéria na presença de perdas, ganho óptico e determinadas simetrias," disse o professor Coskun Kocabas, da Universidade de Manchester, no Reino Unido.
A equipe afirma que seu trabalho permitirá avançar várias aplicações termofotônicas para melhor gerar, controlar e detectar a emissão de calor. Uma aplicação poderia ser em satélites artificiais: Diante de sua exposição típica ao calor e à luz, os satélites equipados com a interface poderiam emitir a radiação absorvida com emissividade unitária ao longo de uma área especificamente designada, podendo ser incrivelmente estreita e em qualquer formato considerado necessário.
O segredo está na interface
Para fabricar sua interface, os pesquisadores desenvolveram uma cavidade empilhada com uma camada espessa de ouro, que reflete perfeitamente a luz que entra, e uma fina camada de platina, que pode refletir apenas parcialmente a luz que entra. A camada de platina, na verdade duas espessuras separadas costuradas juntas, também funciona como um absorvedor-emissor térmico de banda larga. Entre esses dois "espelhos", os pesquisadores colocaram um dielétrico transparente, ou material que impede a condutividade elétrica, chamado parileno-C.
"Ajustando cuidadosamente a espessura da camada de platina, para uma espessura crítica de cerca de 2,3 nanômetros, levamos a cavidade à condição crítica de acoplamento, onde o sistema apresenta absorção perfeita e, como resultado, emissão perfeita," explicou Ergoktas.
O detalhe é que nenhum dos materiais usados é um absorvedor ou emissor perfeito - mas sua interface exibe absorção e emissão perfeitas. "Somente costurando duas camadas de platina com espessuras menores e maiores do que a espessura crítica sobre a mesma camada dielétrica conseguimos criar uma interface topológica de duas cavidades, onde a absorção e a emissão perfeitas ficam confinadas. Um ponto crucial aqui é que as cavidades que formam a interface não estão em condições críticas de acoplamento, mas a própria interface está," disse Ergoktas.
Compreensão científica do calor
É claro que isto desafia a compreensão convencional da emissão térmica. "Todo objeto quente irradia calor na forma de luz aleatória e incoerente. Tradicionalmente, acredita-se que a radiação térmica não pode ter propriedades topológicas devido à sua natureza incoerente," comentou o professor Stefan Rotter, da Universidade de Tecnologia de Viena, na Áustria."
Mas a equipe demonstrou o contrário, mostrando que a emissão térmica pode ser projetada para ter características topológicas, que podem criar estados de luz fortemente confinados, emitindo apenas a partir da interface entre duas superfícies. E essa interface pode ser fabricada em qualquer formato, desde uma linha estreita até um desenho totalmente irregular, o que amplia as possibilidades da exploração prática de seus efeitos.
Este resultado vem-se somar a uma mudança inusitada na compreensão científica do calor e de seus modos de emissão, um campo de pesquisas considerado maduro e sem grandes novidades por décadas. Veja outras novidades recentes envolvendo o calor e sua propagação: