Redação do Site Inovação Tecnológica - 16/01/2024
O problema das medições
Há cerca de 10 anos, físicos austríacos apresentaram um experimento que aparentemente mostrava uma das maiores bizarrices do bizarro mundo da mecânica quântica: A possibilidade de separar uma partícula de suas propriedades, com as propriedades viajando ao longo de caminhos que a partícula não poderia estar.
Um exemplo bem simples disso poderia ser uma bola rolando: Os físicos teriam separado as duas coisas, a bola de um lado e o seu rolamento de outro. Outro exemplo que os físicos gostam muito é o gato de Alice no País das Maravilhas, em que o gato sai mas seu sorriso fica, tanto que eles deram a esse efeito de separação partícula/propriedade o nome de efeito Cheshire, o nome em inglês do Gato que Ri.
Desde então, outras equipes alegaram ter estendido isso ainda mais, trocando propriedades "desencarnadas" entre partículas, desincorporando múltiplas propriedades simultaneamente e até mesmo separando a dualidade onda-partícula de uma partícula.
No entanto, um trio de físicos das universidades de Bristol (Reino Unido) e Hiroshima (Japão) defende agora que aqueles experimentos estão sendo interpretados incorretamente: Na verdade, esses experimentos não mostram partículas se separando de suas propriedades, mas, em vez disso, mostram outra característica contra-intuitiva da mecânica quântica, a contextualidade.
"A maioria das pessoas sabe que a mecânica quântica é estranha, mas identificar o que causa essa estranheza ainda é uma área ativa de pesquisa. Ela foi lentamente formalizada em uma noção chamada contextualidade - que os sistemas quânticos mudam dependendo das medições que você faz neles," disse Jonte Hance, um dos contestadores da interpretação do "Gato que Ri Quântico".
Contextualidade quântica
Uma sequência de medições em um sistema física regido pela mecânica quântica - um sistema na dimensão dos átomos e moléculas - produzirá resultados diferentes dependendo da ordem em que as medições são feitas. Por exemplo, se medirmos onde uma partícula está e depois a que velocidade ela está se deslocando, isso dará resultados diferentes do que medir primeiro a rapidez com que ela se desloca e depois onde ela está - o termo contextualidade se refere exatamente a essa condição.
Devido a essa contextualidade, os sistemas quânticos podem ser medidos como tendo propriedades vistas a princípio como mutuamente incompatíveis. "No entanto, ainda não entendemos realmente o que causa isso, então é isso que queríamos investigar, usando o cenário quântico paradoxal do gato de Cheshire como berço de teste," explicou Hance.
Os pesquisadores observam que o problema com o paradoxo quântico do Gato que Ri quântico é que sua alegação original - de que a partícula e sua propriedade, como seu spin ou polarização, se separam e viajam por caminhos diferentes - pode ser uma representação enganosa da física real da situação: "Queremos corrigir isso mostrando que resultados diferentes são obtidos se um sistema quântico for medido de maneiras diferentes, e que a interpretação original do Gato de Cheshire quântico só acontece se você combinar os resultados dessas diferentes medições de uma forma muito específica, e ignorar esta mudança relacionada à medição," disse Holger Hofmann, coautor do trabalho.
Usos práticos da contextualidade quântica
A equipe analisou o protocolo do Gato de Cheshire envolvendo três medições diferentes em relação ao caminho e à polarização de um fóton. Na interpretação original - considerando o sistema como não contextual - cada medição parecia resultar em uma contradição lógica. Na interpretação apresentada agora, contudo, o que se vê é um comportamento contextual, ligado a valores fracos e às coerências entre estados proibidos.
Assim, em vez de uma propriedade da partícula sendo desincorporada, o gato quântico de Cheshire demonstra efeitos dessas coerências, normalmente encontradas em sistemas pré e pós-selecionados.
Olhando para o futuro, a equipe pretende expandir esta pesquisa procurando uma maneira de unificar os efeitos quânticos paradoxais como manifestações da contextualidade e explicar de uma vez por todas como e por que as medições mudam os sistemas quânticos.
"Isso não apenas nos ajudará a explicar finalmente por que a mecânica quântica é tão contra-intuitiva, mas também nos ajudará a desenvolver maneiras de usar essa estranheza para fins práticos. Dado que a contextualidade está inerentemente ligada a cenários onde há uma vantagem quântica sobre as soluções clássicas para um determinado problema, somente compreendendo a contextualidade seremos capazes de realizar todo o potencial, por exemplo, da computação quântica," disse Hance.