Com informaçõse da BBC Brasil - 12/04/2011
Embora o Brasil seja um dos poucos países a ter superávit no comércio com a China, a prevalência de matérias-primas na pauta de exportações brasileiras para o país asiático incomoda o governo brasileiro e deixa a economia nacional em situação vulnerável.
Maior parceira comercial do Brasil, a China gastou US$ 31 bilhões com produtos brasileiros em 2011, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Desse valor, cerca de 80% correspondem à venda de minério de ferro, petróleo e soja.
Ao contrário do parceiro comercial, contudo, o Brasil é incapaz de adotar uma posição firme na área de câmbio, a principal arma da China para expandir seus tentáculos comerciais pelo mundo - vendendo sobretudo produtos industrializados.
Economia primária
Segundo Fernanda De Negri, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), por causa das compras chinesas, as commodities voltaram a dominar a pauta de exportações brasileiras.
Por décadas, diz a pesquisadora, a participação das matérias-primas nas vendas brasileiras para o exterior girou em torno de 40%. Em 2010, porém, mesmo ano em que exportações brasileiras para a China cresceram 30%, ela chegou a 51%.
Como efeito, a participação de mercado do Brasil no comércio global cresceu no setor de commodities, mas diminuiu no de produtos industrializados.
De Negri diz que esse cenário deixa o país em posição vulnerável, já que os preços das matérias-primas oscilam mais do que o de produtos industrializados.
"Nos últimos anos, houve aumento no preço de commodities, que nos favoreceu, mas no longo prazo o cenário pode se inverter", diz a pesquisadora. "O Brasil deve aproveitar a janela de oportunidade aberta pelo crescimento chinês para desenvolver setores industriais que façam uso mais intenso de tecnologia."
O governo já expressou a intenção de agregar mais valor aos produtos exportados à China: em entrevista à BBC Brasil em março, o chanceler Antonio Patriota se disse preocupado com a "qualidade do comércio" com os chineses e afirmou que o Brasil deseja vender mais produtos manufaturados ao país asiático.
A preocupação também se reflete na composição da comitiva brasileira que visita a China neste mês: além de empresários dos ramos de energia e infraestrutura, há um grande peso de representantes dos setores de alimentos e poucos de áreas propriamente industriais ou de criação.
O que se entende por "energia" atualmente no Brasil são basicamente os biocombustíveis, pertencentes ao setor primário, com os quais o país parece querer inaugurar um novo ciclo da cana-de-açúcar. Alimentos requerem pouca industrialização e só levemente se destacam da mente agrícola que ainda impera no país.
E não se pode culpar unicamente os empresários: os maiores esforços de pesquisas científicas em estados como São Paulo estão concentrados na chamada área de bioenergia, tipicamente agrícola.
Economia de mercado
Se as commodities dominam a pauta das exportações brasileiras à China, produtos industrializados são maioria entre os bens chineses importados pelo Brasil, que totalizaram US$ 25,5 bilhões em 2010. Entre eles, predominam máquinas e eletrônicos.
A entrada dos produtos chineses gera críticas entre setores industriais brasileiros, que se queixam de concorrência desleal e pressionam o governo pela adoção de medidas antidumping - previstas quando se constata que os produtos importados são vendidos a preço abaixo do custo ou do preço no mercado de origem.
Alguns setores, como o de pneus, ventiladores e canetas esferográficas, já tiveram a demanda atendida. Mas o Brasil terá de seguir critérios mais rígidos - os da Organização Mundial do Comércio (OMC) - para a adoção dessas medidas caso o país reconheça a China como economia de mercado, uma das principais reivindicações de Pequim e compromisso assumido pelo governo brasileiro em 2004.
Atualmente, a imposição de medidas antidumping segue critérios definidos pela legislação brasileira, considerados mais flexíveis.
Em entrevista à BBC Brasil, o ex-ministro de Relações Exteriores Celso Amorim disse que, ao se comprometer a atender ao pedido da China, em 2004, o governo brasileiro exigiu em contrapartida a abertura do mercado chinês para as carnes brasileiras, entre outras medidas.
"Isso (o reconhecimento do status de economia de mercado) é um processo de barganha, que você não pode conceder a um país como um favor. Nisso eu concordo com os industriais brasileiros", diz Amorim.
O ministro diz, porém, que as contrapartidas brasileiras não foram plenamente atendidas e, dada a desvalorização atual da moeda da China (yuan), que favorece as exportações do país asiático, "o único instrumento que nos resta para tentar enfrentar as ações chinesas são as ações antidumping".
Para a pesquisadora Fernanda De Negri, no entanto, a adoção de medidas antidumping é paliativa.
"Faz 20 anos que setores industriais estão reclamando de várias coisas, e faz 20 anos que eles não ganham competitividade. Não adianta dar salvaguarda sem cobrar ganho de competitividade", diz a pesquisadora.
"Existem fronteiras tecnológicas importantes em vários setores industriais. O Brasil teria mais condições de competir com os chineses investindo nesses setores do que dando salvaguardas", afirma.
Restrições chinesas
Apesar do interesse brasileiro em diversificar as exportações, o presidente do Conselho Empresarial Brasil-China, Sérgio Amaral, alerta para as restrições às importações impostas pelos chineses em vários setores, como barreiras sanitárias à importação de alimentos.
"A grande dificuldade é a negociação entre dois sistemas diferentes", diz ele à BBC Brasil. Segundo Amaral, que é diplomata e foi ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior durante o governo FHC, mesmo as empresas brasileiras mais competitivas enfrentam grandes dificuldades para penetrar no governo chinês.
Ele diz esperar que, durante a visita de Dilma à China, que se dará num "momento novo" das relações, após grande incremento no comércio, o governo negocie melhores condições para as exportações de manufaturas brasileiras.