Com informações da Agência Fapesp - 26/03/2018
Chip Sampa
Um chip brasileiro vai renovar o sistema de detecção do Alice (sigla de A Large Ion Collider Experiment), um dos quatro grandes detectores do LHC (Large Hadron Collider), o maior colisor de partículas do mundo, situado na fronteira franco-suíça.
Trata-se do chip Sampa, projetado na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.
Testado em vários países e submetido ao escrutínio de um conjunto internacional de especialistas, o Sampa passou com louvor, recebendo o sinal verde para a fabricação em larga escala. Serão produzidas 88 mil unidades, necessárias ao upgrade do Alice, pela empresa TSMC, em Taiwan.
"Os novos chips vão instrumentalizar dois detectores do Alice: o TPC [Time Projection Chamber] e o MCH [Muon Chamber]. O TPC detecta as trajetórias das partículas carregadas produzidas e o MCH mede, especificamente, a produção de múons," disse Marcelo Gameiro Munhoz, que coordenou o desenvolvimento do Sampa juntamente com seus colegas Wilhelmus Van Noije e Marco Bregant.
O múon é uma partícula pertencente à classe dos léptons. Apresenta a mesma carga elétrica (-1) e o mesmo spin (1/2) do elétron, porém possui massa mais de 200 vezes maior.
O principal foco do Alice é o estudo do plasma de quarks e glúons, que se forma quando, devido ao altíssimo patamar de energia, essas partículas deixam de ficar confinadas nos hádrons (prótons, nêutrons, mésons) e passam a se movimentar livremente. Foi ele que permitiu concluir que o Universo era líquido logo depois do Big Bang.
Detector de múons
O experimento UPC (Time Projection Chamber), que constitui o principal sistema de detecção do Alice, é basicamente composto por dois cilindros concêntricos, o maior com 5 metros de comprimento e 5 metros de diâmetro, sendo a região entre o cilindro menor e o maior fechada nas extremidades. Por dentro do cilindro menor, passa a canalização por onde transitam os feixes de partículas que devem colidir, cujo interior é um ambiente dominado pelo vácuo. A região entre os dois cilindros é preenchida por um gás.
Quando ocorrem as colisões, são produzidos milhares de partículas, que atravessam a parede do cilindro interior, ionizam as moléculas do gás e passam também pela parede do cilindro exterior, antes de serem absorvidas.
Entre as extremidades fechadas é aplicada uma grande diferença de potencial elétrico. Devido à tensão elétrica, os elétrons arrancados das moléculas do gás são projetados de encontro a essas extremidades. Em função das posições onde incidem as cargas, é possível determinar as trajetórias e, por decorrência, as naturezas das partículas produzidas nas colisões.
Para determinar as posições dos pontos de incidência e os valores das cargas incidentes, as extremidades são quadriculadas, em mais de 500 mil quadradinhos. Cada conjunto de 32 quadradinhos será instrumentalizado por um chip Sampa. O experimento MCH (Muon Chamber) funciona de maneira um pouco diferente, mas o princípio é o mesmo.
"A função de cada chip é ler as cargas incidentes, transformar a leitura em um sinal de tensão, converter o sinal de analógico em digital, realizar um processamento digital interno e enviar a informação para os processadores externos. A operação de conjunto de todos os chips permitirá obter aquelas famosas imagens das colisões, com o jorro de milhares de partículas, cada qual seguindo uma trajetória específica," explicou o professor Marcelo Munhoz.
Upgrade do LHC
O Sampa vai substituir a atual geração de chips do Alice. Na configuração atual, para cada conjunto de 16 quadrados são necessários dois chips: um lê as cargas e gera o sinal de tensão correspondente, enquanto o outro converte o sinal analógico em bits e faz o pré-processamento digital. Com uma eletrônica muito mais compacta, o Sampa realizará as duas operações e, além disso, deverá operar em 32 canais, em vez de 16.
Depois de produzidos em Taiwan, os chips serão testados, um a um, na Suécia. Serão instalados no Alice no biênio 2019-2020, quando todo o LHC vai passar por um upgrade. Essa atualização deverá aumentar a taxa de colisões entre núcleos de chumbo por um fator de 100.
"Até por isso o Sampa foi necessário, porque o equipamento atual não daria conta desse aumento na taxa de colisões. Atualmente, o Alice opera com 500 colisões por segundo. A expectativa é que, em 2021, consiga operar com 50 mil colisões por segundo. Com isso, os cientistas esperam aumentar a probabilidade de ocorrência de eventos raros, como a produção de quarks mais pesados, ou a formação de antinúcleos de elementos leves," disse Marcelo.