Redação do Site Inovação Tecnológica - 26/11/2021
Cerâmica deformável
Uma equipe de pesquisadores das universidades de Minnesota (EUA) e Kiel (Alemanha) descobriu um caminho para fabricar materiais cerâmicos que mudam de forma.
Se puder ser escalonada para escala industrial, esta técnica pode melhorar quase tudo, dos dispositivos médicos até os eletrônicos.
Quando se fala em cerâmica as pessoas costumam se lembrar de copos e pratos caindo e se partindo em mil pedaços. Ela começa como um barro totalmente maleável, mas, para que o produto fique utilizável, a cerâmica é queimada em um forno, transformando-se um material muito duro, mas muito quebradiço.
Acontece que as cerâmicas estão presentes no nosso dia a dia em uma escala que vai muito além das nossas louças e azulejos. Para começar, elas são amplamente utilizadas na eletrônica e na área de energia porque, dependendo de sua composição, as cerâmicas podem ser semicondutoras, supercondutoras, ferroelétricas ou isolantes. Velas de ignição, fibras ópticas, implantes médicos, escudos de proteção termal de naves espaciais, sensores químicos, esquis e uma infinidade de outros exemplos mostram a versatilidade desses materiais.
No outro extremo do espectro de materiais estão as ligas com memória de forma, os materiais mais deformáveis que se conhece. Essa tremenda deformabilidade é excelente para stents, tendo revolucionado o tratamento médico dos problemas cardiovasculares.
A origem desse comportamento de mudança de forma é uma transformação de fase de sólido para sólido. Diferente de pegar uma peça de metal, derretê-la e fabricar outra peça diferente (cristalização-fusão-recristalização), as transições sólido-sólido cristalinas ocorrem apenas no estado sólido. Ao alterar a temperatura (ou pressão), um sólido cristalino com memória de forma pode ser transformado em outro sólido cristalino sem passar pela fase líquida.
Como a ciência pode ser divertida
O que Hanlin Gu e seus colegas queriam fazer era dar um jeito de mesclar os comportamentos da cerâmica e das ligas de memória de forma, o que pode revolucionar não apenas os usos atuais dos materiais cerâmicos, mas criar toda uma nova indústria com objetos só vistos na ficção científica.
Mas, quando começaram a juntar os dois materiais, algumas coisas muitas estranhas começaram a acontecer, mostrando o quanto fazer ciência pode ser divertido.
Os pesquisadores primeiro tentaram uma receita que funcionou para a descoberta de novos metais com memória de forma, o que envolve ir alterando a quantidade de cada ingrediente para obter um ajuste delicado das distâncias entre os átomos, de modo que as duas fases sólidas se encaixem bem.
O resultado não foi o esperado. Numa determinada composição, o material resultante da mistura simplesmente explode tão logo passa pela variação de temperatura que deveria fazê-lo mudar de forma. Não há nada de intrinsecamente explosivo na receita, mas a mudança de fase cria tamanho estresse no material que ele inteiro vira uma pequena bomba e se autodestrói.
Conforme foi mudando a receita, a equipe conseguiu eliminar a explosão, mas a amostra passou a saltar no ar como se fosse uma bola de borracha - só que ela salta sem precisar que ninguém sequer toque nela.
Mexendo um pouco mais, eles conseguiram fazer com que o material parasse de saltar, mas então o pedaço duro de cerâmica passou a se esfarelar totalmente, como se fosse um castelo de areia ao sol.
Cerâmica com memória de forma
Finalmente, depois de inúmeras receitas, a equipe encontrou uma composição que sofre uma transformação reversível, passando facilmente para frente e para trás entre as fases, um comportamento muito parecido com o de um metal com memória de forma.
Embora ainda não estejam totalmente satisfeitos com o resultado obtido, os pesquisadores garantem que, matematicamente, as condições sob as quais ocorre a transformação reversível sólido-sólido podem ser amplamente aplicadas, fornecendo um caminho para se obter a paradoxal cerâmica com memória de forma com uma versatilidade que a torne tão útil quanto seus equivalentes metálicos.
"Ficamos simplesmente maravilhados com os nossos resultados. A cerâmica com memória de forma seria um tipo completamente novo de material funcional," disse o professor Richard James, coordenador da equipe. "Há uma grande necessidade de atuadores com memória de forma que possam funcionar em altas temperaturas ou em ambientes corrosivos. Mas o que mais nos entusiasma é a perspectiva de novas cerâmicas ferroelétricas. Nestes materiais, a transformação de fase pode ser utilizada para gerar eletricidade a partir de pequenas diferenças de temperatura."