Com informações da Agência Fapesp - 11/02/2015
Com métodos adequados de produção, é possível obter uma cachaça com pureza e complexidade de aromas e sabores semelhantes às de um uísque ou conhaque de primeira qualidade.
Além de passar por um processo de dupla destilação, a bebida desenvolvida no Laboratório de Tecnologia e Qualidade da Cachaça, na Esalq de Piracicaba (SP), apresenta outro diferencial: o envelhecimento de dois anos em tonéis novos de carvalho.
"Cerca de 60% do sabor de uma bebida envelhecida vem da madeira. Os outros 40% dependem da forma como a destilação e a fermentação são conduzidas e da matéria-prima. O processo de produção, portanto, tem muito mais influência na qualidade final do destilado do que o tipo de matéria-prima do qual é feito," disse André Ricardo Alcarde, coordenador do projeto.
Dupla destilação
Desta forma, coube aos pesquisadores brasileiros garantirem que os 40% nos quais os produtores podem atuar fossem feitos com o máximo possível de rendimento e qualidade.
"A cachaça produzida no Brasil, de maneira geral, passa por apenas uma destilação. Mas nós precisávamos de uma bebida feita de maneira tão criteriosa quanto um uísque ou um conhaque reconhecido internacionalmente," afirmou André.
A dupla destilação ajuda a eliminar compostos indesejáveis, como o cobre, alguns aldeídos que podem causar dor de cabeça e o carbamato de etila - substância potencialmente cancerígena. Também são eliminados certos tipos de ácidos orgânicos responsáveis pela sensação de "arranhar" a garganta.
"Com a dupla destilação, conseguimos eliminar quase 99% do carbamato de etila. O líquido fica muito mais puro, com teor acertado de álcool e menos prejudicial à saúde pública", comentou o pesquisador.
Envelhecimento da cachaça em carvalho
De acordo com André, a madeira libera durante o envelhecimento uma série de compostos que melhoram as características sensoriais da bebida, como, por exemplo, a vanilina. A cada novo uso do barril, porém, o processo de extração desses elementos se torna mais demorado e menos homogêneo.
"Como o carvalho não é uma madeira disponível no Brasil, o custo de importação é alto e a legislação brasileira não especifica regras para o envelhecimento de cachaça, muitos fabricantes recorrem a tonéis já extensivamente utilizados na produção de vinho ou de uísque", afirmou André.
Aline Marques Bortoletto, responsável pelos experimentos, conta que a madeira antes passou por um processo de tosta interna para aumentar a liberação dos compostos aromáticos. "O carvalho francês é mais caro que o norte-americano, pois a árvore demora mais para crescer. Testamos a diferença entre os dois e o perfil aromático do francês é diferenciado," disse.
Cachaça com qualidade e preço de uísque
Todos os meses, durante dois anos, os pesquisadores mediram nas duas amostras o teor de 11 compostos químicos considerados marcadores de envelhecimento.
Por meio de uma técnica conhecida como cromatografia líquida, foram medidos os teores de ácido gálico, ácido elágico, sinapaldeído, siringaldeído, vanilina, coniferaldeído, ácido vanílico, ácido siríngico, guaiacol, furfural e hidroximetilfurfural.
Após um ano e meio de envelhecimento, a relação dos compostos observada na cachaça envelhecida já estava equivalente - no caso de algumas substâncias até superior - à relação descrita na literatura para um uísque envelhecido por 12 anos.
"Obviamente que seria um produto para ser vendido por valores semelhantes ao de um bom uísque ou conhaque. O público para essa cachaça é diferente, mas, com certeza, existe um mercado para a bebida", opinou André.