Redação do Site Inovação Tecnológica - 18/02/2020
Ciência e busca de inteligências extraterrestres
A reunião anual da Associação Norte-Americana para o Avanço da Ciência (AAAS), publicadora da renomada revista Science, está sendo marcada este ano por um movimento que promete oxigenar todos os campos ligados à astronomia - e, com sorte, dar um novo vigor ao campo das ciências em geral, muito afeito nas últimas décadas a um conservadorismo que tem-se mostrado pouco produtivo e inibidor da busca autêntica pelo conhecimento, motivada pela curiosidade e pela busca de respostas a questões que intrigam a humanidade em geral, e não voltadas apenas para as próprias teorias científicas mais aceitas.
O recado, passado por um número surpreendentemente grande de cientistas renomados em seus campos é: "É hora de levar a sério a busca por inteligências extraterrestres."
"Determinar se estamos sozinhos no Universo como uma vida tecnologicamente capaz está entre as questões mais cativantes da ciência," disse Tony Beasley, diretor do Observatório Nacional de Radioastronomia (NRAO).
"Os próximos telescópios no espaço e no solo terão a capacidade de observar as atmosferas de planetas do tamanho da Terra que orbitam estrelas frias próximas, por isso é importante entender como melhor reconhecer sinais de habitabilidade e vida nesses planetas," acrescentou Victoria Meadows, da Universidade de Washington.
De fato, o reconhecimento da existência de planetas fora do nosso Sistema Solar - se não negado, pelo menos relegado a um caráter de "ciência marginal especulativa" durante décadas - parece ser o fator que faltava para que a ciência acadêmica finalmente se dispusesse a incorporar a "ciência marginal" da busca por vidas fora da Terra em sua agenda - sejam vidas inteligentes ou não.
"À medida que descobertas contínuas nos mostram que os planetas são componentes muito comuns do Universo, e somos capazes de estudar as características desses planetas, é emocionante que, ao mesmo tempo, os avanços tecnológicos estejam nos dando as ferramentas para expandir bastante nossa busca por sinais de vida. Estamos ansiosos por este novo reino de descobertas," disse Tony Beasley.
Tecnologias para localizar vida extraterrestre
Um dos grandes argumentos levados pelos entusiastas das pesquisas em busca de inteligência extraterrestre para o congresso é que novas tecnologias estão viabilizando novas estratégias para revitalizar o que até agora tem sido levado a efeito apenas por um grupo de pesquisadores pioneiro e corajosos, reunidos em torno da entidade chamada SETI, uma sigla justamente para "busca por inteligência extraterrestre" (Search for ExtraTerrestrial Intelligence).
Essas novas tecnologias permitirão ir além da tradicional técnica empregada pelo SETI de pesquisar sinais de rádio gerados por civilizações inteligentes. Várias equipes estão trabalhando em técnicas de ponta para detectar uma variedade de assinaturas que podem indicar a possibilidade de tecnologias extraterrestres, incluindo bioassinaturas e tecnoassinaturas.
Essas "assinaturas tecnológicas" podem incluir a composição química da atmosfera de um planeta, emissões de laser, produtos químicos atmosféricos produzidos por indústrias, anéis de satélites semelhantes ao anel de satélites de comunicação geossíncrona que orbitam acima do equador da Terra e até estruturas artificiais construídas em torno das estrelas para capturar a produção de energia da estrela, conhecidas como esferas Dyson.
É claro que há também interesse em formas de vida mais simples, não inteligentes ou não tecnológicas, que também podem produzir indicadores detectáveis, incluindo a presença de oxigênio, metano, CO2 e uma variedade de outros compostos químicos que podem ter origem biológica. E as novas tecnologias observacionais estão começando a ser capazes disso, embora os projetos ainda precisem ser endossados e financiados.
"Também estamos ansiosos pela próxima década, quando esperamos construir uma Very Large Array da próxima geração, capaz de pesquisar um volume do Universo mil vezes maior do que o acessível aos telescópios atuais - tornando-o a mais poderosa máquina de busca por radioassinaturas," disse Beasley.
Encontre você mesmo um ET
A primeira ação prática já foi anunciada durante o evento da AAAS: o observatório VLA (Very Large Array), nos EUA, um dos mais bem equipados do mundo, fez um acordo para que o SETI instale uma interface em seus sistemas que permitirá que todos os dados coletados continuamente pelo VLA sejam analisados em busca de sinais de vida alienígena, sem qualquer prejuízo para as pesquisas tradicionais conduzidas pelo conjunto de radiotelescópios.
"Essa interface nos permitirá realizar uma pesquisa SETI poderosa e de ampla área, que será muito mais completa do que qualquer pesquisa anterior," disse Andrew Siemion, da Universidade da Califórnia em Berkeley, que está chefiando este novo esforço, batizado de Iniciativa de Escuta Inovadora (Breakthrough Listen Initiative).
Siemion também anunciou um esforço de escuta voltado na direção de estrelas onde uma civilização distante poderia observar a passagem da Terra através do Sol pelo método do trânsito planetário (Quais ETs vão nos ver primeiro?), o mais usado pelos astrônomos da Terra para a descoberta de exoplanetas.
Outra novidade foi a disponibilização de quase 2 petabytes de dados da rede internacional do SETI. Os dados liberados referem-se a uma varredura dos sinais de rádio do plano da Via Láctea e do centro galáctico. E a equipe do SETI está incentivando a participação do público, dos chamados "amadores" e "cientistas cidadãos", que têm sido um elemento importante no campo da Astronomia há décadas. A ideia é que o público ajude a pesquisar os dados em busca de sinais de civilizações inteligentes. Outro petabyte de dados já havia sido liberado ao público em Junho do ano passado.
"É nossa esperança que esses conjuntos de dados revelem algo novo e interessante, seja outra vida inteligente no Universo ou um fenômeno astronômico natural ainda não descoberto," disse Matt Lebofsky, um dos coordenadores da equipe responsável pelas observações, feitas no espectro de rádio entre 1 e 12 gigahertz (GHz) pelos radiotelescópios Parkes, na Austrália, e Green Banks, nos EUA, o maior radiotelescópio com antena orientável do mundo.
"Durante toda a história da humanidade, tivemos uma quantidade limitada de dados para procurar vida além da Terra. Então, tudo o que podíamos fazer era especular. Agora, como estamos obtendo muitos dados, podemos fazer ciência real e, ao disponibilizá-los ao público em geral, o mesmo poderá ser feito por qualquer um que queira saber a resposta para essa questão tão profunda," disse Yuri Milner, fundador da Iniciativa de Escuta Inovadora.
Recursos para procurar vida extraterrestre
Se o público sempre se mostrou disposto a ajudar, o esforço agora parece ser o de convencer os próprios cientistas a se juntarem ao esforço, que não requer apenas interesse e vontade, mas sobretudo conhecimento de diversas áreas.
"A ciência dos exoplanetas é extremamente interdisciplinar. Compreender o ambiente desses mundos requer considerar órbita, composição, história e estrela hospedeira - e requer a contribuição de astrônomos, geólogos, cientistas atmosféricos, cientistas estelares. Realmente é preciso uma comunidade para entender um planeta," disse Victoria Meadows.
Para isso, é necessário financiamento para que as diversas equipes se juntem em um esforço coordenado. Talvez o encontro desta semana se mostre produtivo à medida que os cientistas começaram a romper um outro tabu no mundo acadêmico: a crítica a esforços de pesquisas que não têm dado os resultados esperados mesmo depois de consumir bilhões de dólares de investimentos.
Uma das críticas foi dirigida ao LHC, o Grande Colisor de Hádrons - considerado não apenas o maior, mas o mais caro experimento científico de história - que não conseguiu seu intento de descobrir partículas subatômicas além do Modelo Padrão da Física atual. "Eu me sentiria muito mais confiante defendendo um projeto da busca por inteligência extraterrestre do que o projeto de um acelerador de partículas," disse Martin Rees, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido.
Mas também dá para criticar uma série de projetos bilionários no próprio campo da Astronomia, como aqueles voltados à busca por indícios das hipotéticas energia escura e matéria escura, que até agora não renderam um resultado sequer.