Com informações da Agência Fapesp - 16/03/2018
Majoranas
Em março de 1938, o jovem físico Ettore Majorana desapareceu misteriosamente, em um caso que abalou a comunidade científica. O episódio - que já virou livro, foi assunto de vários documentários e permanece até hoje sem explicação - ocorreu no ano seguinte ao da principal contribuição de Majorana à ciência.
Com apenas 30 anos, Majorana apresentou a hipótese de uma partícula que teria a si mesma como antipartícula. E sugeriu que o neutrino, recém-postulado por seu professor Enrico Fermi e Wolfgang Pauli, poderia ser essa partícula.
Oito décadas depois, os chamados férmions de Majorana, ou simplesmente majoranas, constituem um dos objetos mais estudados da Física. Além dos neutrinos - cuja natureza, como majoranas ou não, é um dos alvos do megaexperimento Dune - uma outra classe, não de partículas fundamentais, mas de quasipartículas ou partículas aparentes, tem sido investigada. Essas quasipartículas de Majorana podem emergir como energizações em supercondutores topológicos.
Agora, pesquisadores brasileiros estão à frente de uma proposta de aparelho que poderá tirar proveito dos férmions de Majorana. O conceito do novo dispositivo foi desenvolvido por Luciano Henrique Ricco e Antônio Carlos Seridônio, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Ilha Solteira.
"Propusemos, teoricamente, um dispositivo que atua como sintonizador termoelétrico, isto é, um sintonizador de calor e carga, assistido por férmions de Majorana," disse Seridônio, cuja equipe também já havia proposto um mecanismo para detectar os férmions de Majorana.
Termoelétrica quântica
O dispositivo é constituído por um ponto quântico, que pode ser entendido como um átomo artificial, posicionado entre dois contatos metálicos, estando os dois em temperaturas diferentes - a diferença de temperatura é fundamental para que possa ocorrer condução de energia térmica através do ponto quântico.
Um fio supercondutor quase unidimensional, conhecido como fio de Kitaev, é conectado ao átomo artificial. Esse fio de Kitaev, que neste projeto possui a forma de uma ferradura, hospeda dois majoranas, que emergem como excitações caracterizadas por modos de energia zero.
"Quando o ponto quântico é acoplado apenas a um dos lados do fio, o sistema passa a ter um comportamento ressonante em relação às condutâncias elétrica e térmica. Ou seja, passa a se comportar como um filtro termoelétrico", explicou Seridônio. "É importante ressaltar que esse comportamento de filtro de energia térmica e de energia elétrica ocorre quando os dois majoranas se enxergam, por meio do fio, mas apenas um deles enxerga o ponto quântico na conexão."
A equipe também descobriu uma forma de fazer o ponto quântico enxergar os dois majoranas ao mesmo tempo, conectando ambas as pontas do fio de Kitaev ao átomo artificial. "Fazendo o [ponto quântico] enxergar mais η1 ou mais η2, isto é, variando a assimetria do sistema, é possível utilizar o átomo artificial como um sintonizador, com a energia, térmica ou elétrica, que transita por ele sendo desviada para o vermelho ou para o azul," disse Seridônio.
A expectativa da equipe é que sua proposta teórica possa contribuir para o desenvolvimento de dispositivos termoelétricos baseados em férmions de Majorana, a exemplo do que ocorreu recentemente, quando uma equipe sueca usou as partículas de Majorana como qubits.