Com informações da Agência Fapesp - 20/02/2019
Biobits
Pesquisadores brasileiros desenvolveram estruturas bioquímicas microscópicas com potencial para serem usadas para construir um computador químico.
Os "bits químicos" são lipossomas, pequenas vesículas esféricas com paredes constituídas por duas camadas de lipídios delimitando um conteúdo interno aquoso.
Essas estruturas que têm sido largamente exploradas como carreadores de medicamentos e de princípios ativos de cosméticos. Porém, o encapsulamento de nanopartículas magnéticas dentro dos lipossomas oferece também outra possibilidade: a de se usar essas vesículas como suportes para a transferência de sinais.
"Nossa pesquisa foi realizada no âmbito da ciência fundamental, mas tem potencial de aplicação, por exemplo, na transmissão de sinais em computação. Construímos um modelo com dois tipos de lipossomas: um de tamanho nanométrico, com dimensões da ordem de 100 nanômetros, e outro 'gigante', com dimensões de 10 a 20 micrômetros," contou a professora Iseli Lourenço Cardoso, da Universidade Federal do ABC (UFABC).
Bits bolhas
Os lipossomas nanométricos mimetizam os agentes carreadores de fármacos, enquanto os lipossomas gigantes mimetizam células. Ambos podem fundir-se uns com os outros.
Mas, em lugar de transportar drogas, os lipossomas nanométricos transportam nanopartículas magnéticas (magnetitas) e moléculas fluorescentes (fluoróforos), ou nanopartículas magnéticas e cargas (lipídios eletricamente carregados).
Moléculas fluorescentes ou cargas possibilitam transmitir os sinais, ao passo que as partículas magnéticas permitem controlar a transmissão por meio de ímãs.
"Na situação inicial, as vesículas gigantes não possuíam moléculas fluorescentes, cargas ou nanopartículas magnéticas. Ao se fundirem com os lipossomas nanométricos, que traziam informação luminosa ou elétrica, as vesículas gigantes incorporaram essa informação. E também incorporaram as partículas magnéticas, que permitiram que fossem conduzidas por meio de ímã até a estação receptora do sinal. Isso possibilitou criar um mecanismo do tipo 'liga-desliga'. Quando o ímã promove o deslocamento da vesícula rumo à estação receptora, temos o 'liga'. Quando é posicionado em sentido oposto, temos o 'desliga', bloqueando o sinal," explicou Iseli.
Meio byte químico
A equipe conseguiu usar seus bits químicos para fazer operações de lógica booleana, nas quais as variáveis e funções podem ter apenas valores 0 e 1. A combinação desses valores, dois a dois, permitiu criar quatro díades: 0-0, 0-1, 1-0 e 1-1.
Convencionou-se que 0-0 seria a vesícula gigante, sem adição de fluoróforos ou de carga ou de magnetita. Com fluoróforo, mas sem magnetita, existe o sinal luminoso, mas não ocorre transmissão: isso foi convencionado como 0-1. Com a magnetita, mas sem o fluoróforo, a vesícula gigante pode ser transportada, mas não transmite sinal luminoso: isto seria o 1-0. Fluoróforo e magnetita produziriam o 1-1.
Com isso, obteve-se um uso inédito de nanopartículas magnéticas na interface de lipossomas: a transmissão de sinais luminosos ou elétricos, que podem ser usados para fazer cálculos ou trocar dados.
"No caso do sinal luminoso, as vesículas gigantes foram conduzidas por meio de um capilar até uma conexão com fibra óptica. E, por meio dela, a um espectrofluorímetro, capaz de detectar o espectro de fluorescência. Quanto ao sinal elétrico, foi utilizado um sistema de transmissão de sinal magneto-eletroquímico. Quando as moléculas eletricamente carregadas são conduzidas a um eletrodo por meio de ímã, ocorre um sinal alto. Se o ímã é retirado, o sinal fica bastante baixo," explicou Iseli.
"Nós vislumbramos que esses sistemas supramoleculares magnéticos podem ser aplicados em sistemas de comunicação em micro e nano-escalas," concluiu a equipe em seu artigo.