Luiz Sugimoto - 23/07/2008
"O Brasil está dormindo em berço esplêndido, confortável com sua pseudoliderança na oferta de biocombustíveis para o mundo e exibindo os louros de uma história que não exigiu muita inovação tecnológica. Enquanto isso, o país já vem perdendo competitividade", afirma o professor Weber Antonio Neves do Amaral, da Esalq/USP, que até a semana passada era o diretor executivo do Pólo Nacional de Biocombustíveis, em Piracicaba.
Os movimentos da indústria do petróleo
Enquanto se enaltece o etanol como a commodity capaz de transformar o Brasil em potência dos biocombustíveis - sobretudo se aproveitado o bagaço da cana -, Weber Amaral recorre a um fato recente para sustentar sua hipótese de que estamos marcando passo: a compra pela BP (Beyond Petroleum, ex-British Petroleum) de 50% das ações dos novos negócios da usina Santa Elisa, o grupo sucroalcooleiro que mais investe em inovação. "A BP vai trazer pesquisadores de um centro de excelência em etanol de segunda geração. O foco será justamente o bagaço da cana, que eles já estudam nos Estados Unidos".
Segundo o professor da USP, este centro se chama Energy Biosciences Institute (EBI), da Universidade de Berkeley, criado para desenvolver pesquisas em biomassas com US$ 600 milhões da BP - Beyond Petroleum, aliás, significa "além do petróleo". "Berkeley venceu a concorrência internacional promovida pela companhia por ter reunido um grupo multidisciplinar e consistente de pesquisadores. Eles vão ocupar um espaço onde estamos muito pouco organizados".
Denvolvimento das energias renováveis
Na 60ª reunião da SBPC, Amaral deu conferência sobre o papel da pesquisa e inovação tecnológica para o desenvolvimento das energias renováveis, com base em pesquisas realizadas no Pólo de Biocombustíveis da Esalq, que envolvem quatro grandes cadeias produtivas: a do etanol a partir da cana, as diferentes matérias-primas para produção de biodiesel, as biomassas energéticas de atividades florestais e a produção de biogás.
O pesquisador observa que a inovação tecnológica exige uma visão integrada da cadeia. "De nada adianta ser competitivo na oferta da biomassa se não somos competitivos na sua conversão ou na distribuição do combustível. Quando se deixa de inovar, caímos na síndrome da auto-suficiência, nos acomodando em suprir de equipamentos, bens e serviços a indústria sucroalcooleira. Mas em termos de engenharia de processos e de tecnologias de conversão, especialmente quanto à segunda geração de biocombustíveis, vamos perdendo competitividade".
Lei dos rendimentos decrescentes
Weber Amaral afirma que já se atingiu um patamar tecnológico que permite custos baixíssimos do etanol brasileiro - variando entre US$ 0,32 e US$ 0,38 -, mas atenta que será bastante difícil diminuí-los. "Eles estão muito próximos do custo 'ótimo' de produtividade.
Por outro lado, há o aumento do preço da terra e dos custos de produção agrícola - especialmente devido ao uso de insumos derivados do petróleo, que está em 140 dólares e pode chegar a 200 no final do ano. É um cenário que ameaça a competitividade do etanol, que é o trunfo do Brasil".
Biologia sintética
O professor acrescenta que, se houve 30 anos de investimentos no programa de desenvolvimento do álcool, o mesmo não acontece com a área de biodiesel, onde ainda não se consegue ganhar em escala, devido aos elevados custos de produção. "Os custos superiores ao do diesel na bomba, impedem novos investimentos, inclusive em inovação tecnológica. Enquanto isso, nos Estados Unidos e na Europa, exercícios de inovação que já estão viabilizando combustíveis sintéticos a 8 ou 9 centavos de dólar. Até dez anos atrás, era impensável que o sintético pudesse competir com o nosso etanol".
Nesta linha, Weber lembra outro exemplo da Universidade de Berkeley, onde três pós-doutorandos de biologia sintética captaram US$ 120 milhões na iniciativa privada para isolar uma bactéria capaz de produzir um composto (hidrocarboneto) bastante semelhante ao diesel. "Os três jovens criaram uma empresa que em dois anos será de capital aberto, mas cujo valor atual de mercado já é de US$ 200 milhões".
Investimentos globais em energias renováveis
A tendência de alocação de investimentos globais em energias renováveis, na visão do pesquisador, é de que eles chegarão a US$ 100 bilhões em 2010, o que representam 15% do total de recursos em P&D. "O Brasil investe apenas 1,1% do seu PIB em inovação, contra 3,4% da Alemanha, 3,1% da França e 1,5% da Espanha. Fragmentando o 1,1%, veremos que apenas 31% vêm de empresas e a maior parte de transnacionais, que não geram inovação, apenas adaptam tecnologias desenvolvidas lá fora".
Na opinião de Weber Amaral, o Brasil deve construir quatro pilares essenciais para a competitividade do etanol: a construção de um mercado global, já que os biocombustíveis representam apenas 4% do total de combustíveis consumido no planeta; a expansão da capacidade de produção em bases sustentáveis - e assegurando terras para cultivo de alimentos -, o que será requisito para abertura de mercados; aprimorar as análises do ciclo de vida da cana, removendo os gargalos na agricultura; e redimensionar o papel da inovação tecnológica.
Capital intelectual
O pesquisador da Esalq enaltece o esforço da Fapesp, que há duas semanas anunciou a liberação de R$ 160 milhões - a metade dos recursos vinda do setor privado - para a consolidação de uma agenda de pesquisas em bioenergia. "Mesmo que os recursos sejam significativamente menores que dos Estados Unidos ou da União Européia, dar continuidade à pesquisa é fundamental. Também precisamos criar a cultura da interação entre academia, setor privado e governo, em que todos conversem com todos, gerando conhecimento, capital e recursos humanos".
Weber Amaral informa que seu grupo na Esalq fez um levantamento dos anúncios publicados nas revistas Nature e Science, com a oferta de vagas de professores permanentes nas universidades americanas. "Para cada vaga, a universidade reserva uma média de US$ 3 milhões que custearão toda a carreira do pesquisador. Nos últimos dois anos, somente para a área de bioenergia, foram oferecidas 650 vagas, o que totaliza US$ 1,8 bilhão em capital humano. É por isso que insisto na hipótese de que estamos acomodados numa pseudoliderança em biocombustíveis".