Com informações da Agência Fapesp - 14/12/2021
Bioeconomia circular
Uma equipe de pesquisadores brasileiros decidiu revisar toda a literatura científica para organizar os avanços já obtidos ou em desenvolvimento na transformação de resíduos agroalimentares em materiais de alta tecnologia.
O objetivo é ver o quanto já caminhamos e quais áreas precisarão ser focadas e priorizadas para caminharmos mais rapidamente para uma bioeconomia circular.
"Fizemos uma revisão crítica de toda a literatura e reposicionamos o estado da arte nas estratégias para transformar perdas e desperdícios agroalimentares em bioplásticos e materiais avançados. Procuramos, mas não encontramos, argumentos para não fazê-lo. É um ganha-ganha," disse o professor Caio Otoni, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), idealizador do projeto.
Como alternativa às modalidades mais rústicas e ambientalmente duvidosas de aproveitamento dos resíduos agroindustriais, como, por exemplo, seu emprego na alimentação do gado, o estudo mostra que a biomassa descartada ou subutilizada, de baixo custo, pode ser convertida em bioplásticos e materiais avançados, utilizáveis em uma ampla gama de dispositivos de alto valor agregado.
As aplicações englobam embalagens multifuncionais, inclusive embalagens antivirais, antimicrobianas e antioxidantes; equipamentos eletrônicos flexíveis; dispositivos biomédicos; equipamentos para geração, armazenamento e transmissão de energia; sensores; materiais para isolamento termoacústico; cosméticos etc.
Alimentos-materiais-energia
Transformar resíduos em recursos é um dos vetores da chamada economia circular - quando esses resíduos são advindos da biomassa, caracteriza-se a bioeconomia circular.
"O nexo alimentos-materiais-energia é muito relevante para a bioeconomia circular. Nosso objetivo foi apresentar as estratégias mais avançadas para desconstruir resíduos agroalimentares; converter o resultado em blocos de construção monoméricos, poliméricos e coloidais; e, com base neles, sintetizar materiais avançados," afirmou Daniel Corrêa, da Embrapa de São Carlos, membro da equipe.
Uma das dificuldades para levar as pesquisas do laboratório para a economia real está na sazonalidade da própria geração dos resíduos agroalimentares: Determinados resíduos são abundantes em certas épocas do ano e escassos em outras. Além disso, quando disponíveis, a própria composição dessa pretensa matéria-prima é, geralmente, variável.
Mas a equipe concluiu que o principal obstáculo à reutilização em larga escala dessa biomassa não é de natureza técnica, mas política. A esperança é que empresas emergentes e empresas tradicionais altamente inovadoras rompam essas barreiras e conduzam esse processo.
Escalonamento
As vias tecnológicas para esse aproveitamento existem, e as diversas equipes que as desenvolveram já dominam cada uma em escala de bancada, ou mesmo, em alguns casos, em escalas semipiloto ou piloto.
"Há vários exemplos a mencionar, incluindo trabalhos com produção de materiais a partir de resíduos de manga, banana, trigo, caju etc," exemplificou Henriette de Azeredo, outra autora do artigo.
A equipe cita uma técnica para produzir materiais a partir de um processamento mínimo da cenoura e sua conversão em bioplásticos. Essa técnica já está funcionando em escala semipiloto no Laboratório de Nanotecnologia para o Agronegócio, da Embrapa.
Os pesquisadores também citam as técnicas para produção de espumas antimicrobianas a partir do bagaço da cana-de-açúcar; embalagens derivadas de quitina extraída das carapaças de crustáceos e insetos; e partículas para estabilizar emulsões, com potencial de aplicação nas indústrias de fármacos, cosméticos e tintas.
Bioeconomia brasileira
As pesquisas feitas no Brasil estão fortemente afinadas com a economia do país, que se destaca como o maior produtor mundial de cana-de-açúcar e de cítricos, além de ocupar também posição de destaque mundial na produção de muitos outros alimentos.
Outra linha de atuação está no desenvolvimento de técnicas para reaproveitar a significativa perda e desperdício de alimentos, sobretudo associadas a frutas e hortaliças, das quais cerca de um terço da produção é perdida ao longo da cadeia.
"Muitas dessas perdas e desperdícios de comida contêm elevados níveis de vitaminas, minerais, fibras e proteínas que, idealmente, poderiam ser convertidos de volta em alimentos. No entanto, devido aos padrões alimentares, a maioria é microbiologicamente e sensorialmente inadequada e, assim, preterida. Daí a alternativa de converter os resíduos em plataformas químicas e materiais úteis, potencialmente em dispositivos com alto valor agregado. Devido ao grande e crescente volume de perda e desperdício de comida, existe um interesse genuíno por parte dos produtores de alimentos em valorizar tais fluxos," destacou o professor Caio.
Um exemplo é a produção de bioplásticos comestíveis desenvolvida pelo pesquisador Luiz Mattoso, um dos líderes dessa linha de pesquisa na Embrapa.