Com informações da Agência Fapesp - 03/12/2013
A necessidade de aumentar a produção e distribuição de energia no mundo somada à recente resolução de diversos países, como os Estados Unidos, de aumentar a utilização de combustíveis renováveis até 2021 deverão impulsionar globalmente a expansão da indústria de biocombustíveis nos próximos anos.
Para atender a uma maior demanda mundial por bioenergia, contudo, o setor terá de superar desafios de diversas ordens.
Entre eles, aumentar o cultivo de culturas agrícolas utilizadas para obter biocombustíveis, sem afetar a produção de alimentos; adaptar-se aos impactos das mudanças climáticas globais na agricultura; e competir em condições desiguais com os combustíveis fósseis - que hoje são fortemente subsidiados em inúmeros países, incluindo no Brasil.
As observações foram feitas por pesquisadores participantes do Workshop Bioenergia e Sustentabilidade: a perspectiva da indústria, promovido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
Demanda mundial de energia
De acordo com dados apresentados por pesquisadores participantes do encontro, obtidos da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), a demanda por energia no mundo deverá dobrar nas próximas décadas, passando dos atuais 500 hexajoules (hj) para mil hexajoules em 2050.
Segundo aquela entidade, a produção de óleo e gás, no entanto - que representam 60% da energia primária mundial -, deverá cair no mesmo período, tendo em vista a diminuição do número de reservas de petróleo e, em contrapartida, o aumento dos custos para prospecção e extração de óleo e gás de novos campos petrolíferos.
Em razão desse cenário e com a finalidade de atender ao aumento da demanda mundial por energia, a IEA prevê que, em 2030, os biocombustíveis contribuirão com algo entre 4% e 10% - dependendo da introdução do etanol de segunda geração - no total da energia utilizada para transporte rodoviário no planeta.
Para isso, será necessário utilizar entre 3,8% e 4,5% da terra arável disponível mundialmente para o cultivo de culturas agrícolas destinadas à produção de biocombustíveis, contra 1% do total de terra usada hoje no mundo para essa finalidade.
Essa expansão da produção de biocombustíveis, no entanto, não deverá competir com a de alimentos, cuja demanda mundial também aumentará nos próximos 40 anos, estimam os pesquisadores.
"Esses números [referentes ao potencial de participação dos biocombustíveis na matriz energética mundial] ainda estão sendo discutidos, mas estamos caminhando para um consenso de que a disponibilidade de terra arável para cultivo de culturas agrícolas voltadas à produção de biocombustíveis não será um problema", disse Souza.
Produção mundial de biocombustíveis
Desde 2007, a produção de biocombustíveis no mundo aumentou 109%, apontaram pesquisadores participantes do evento.
As projeções da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) também indicam que, nos próximos anos, a produção de bioetanol e biodiesel no mundo deverá aumentar 60%, saltando do atual patamar de 149 bilhões de litros para 222 bilhões de litros em 2021.
Uma das razões para esse aumento de produção, de acordo com especialistas na área, é a decisão de cerca de 41 países, anunciada nos últimos anos, de aumentar por meio de projetos de lei a utilização de etanol em suas frotas de veículos até 2021.
Os Estados Unidos, lembrou José Goldemberg, estipularam que, em 2012, deverão consumir 79,8 bilhões de litros de etanol a mais do que o total de 67 bilhões de litros do combustível que obtêm do milho e utilizam hoje.
A legislação norte-americana estabeleceu, porém, que essa cota excedente deverá ser de biocombustíveis de segunda geração, produzidos no próprio país, completou Goldemberg.
Mas especialistas na área acham que essa meta será difícil de ser atingida em razão das dificuldades industriais enfrentadas atualmente para produzir esse tipo de bioenergia obtida não apenas da sacarose presente no colmo da cana-de-açúcar - como a do bioetanol de primeira geração, por exemplo -, como também do açúcar presente nas paredes celulares do bagaço, das folhas e de outros resíduos da planta.
"Se essa legislação não for mudada, os Estados Unidos terão de importar esse etanol excedente de algum outro país produtor, proporcionando uma oportunidade interessante para o Brasil", disse Goldemberg.
Trocar boi por cana
Segundo Goldemberg, no caso do Brasil, estima-se que o país também consumirá 24,2 bilhões de litros a mais de etanol obtido da cana-de-açúcar em 2021 do que o total de 37,4 bilhões de litros do biocombustível que utiliza hoje.
Outros países também estabeleceram a meta de que, até 2021, no mínimo 10% do total de combustíveis que usam deverá ser proveniente de combustíveis renováveis, o que corresponderá a uma produção adicional de mais 34,8 bilhões de litros de etanol.
Somadas, essas produções adicionais de etanol para abastecer os Estados Unidos, Brasil e outros países que definiram políticas para aumentar a utilização de biocombustíveis totalizarão 138 bilhões de litros de etanol em 2021, calculou Goldemberg.
Se esse volume de etanol fosse obtido da cana-de-açúcar, seriam necessários 25 milhões de hectares de terra para cultivar a cultura agrícola, estimou o pesquisador.
"Há vários estudos de autoria de pesquisadores brasileiros apontando que é possível encontrar dentro do Brasil essa quantidade de terra, sobretudo por conta da melhoria da eficiência da pecuária brasileira, que é extremamente ineficiente [em termos de uso da terra para pastagem]', afirmou Goldemberg.
"O gado brasileiro é o que vive mais confortavelmente em todo o mundo, porque tem cerca de um hectare de área de pastagem", avaliou.
Subsídios para combustíveis
Algumas das principais ameaças à expansão da produção de biocombustíveis no mundo estão relacionadas a mudanças do clima e à falta de políticas públicas estáveis, que valorizem e diferenciem esses combustíveis renováveis e que promovam seu adequado desenvolvimento no mundo, apontaram pesquisadores participantes do evento.
No que se refere ao clima, o aumento lento e gradual da temperatura e as alterações no padrão de chuva, já observados em diferentes regiões do mundo, deverão afetar culturas agrícolas utilizadas para produção de biocombustíveis, como a própria cana-de-açúcar, além do milho, da soja, da colza, da beterraba e do girassol, alertam estudos publicados recentemente por pesquisadores de instituições como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
"As áreas de cultivo dessas culturas agrícolas devem diminuir porque a rapidez com que as mudanças climáticas estão ocorrendo é maior do que o tempo que essas espécies e os sistemas socioeconômicos de produção precisariam para fazer uma transição para um padrão de clima diferente do que têm hoje", disse Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), também presente no workshop.
"Algumas dessas culturas agrícolas são mais sensíveis do que outras e o Brasil tem de estar atento para essa questão que representa uma grande contingência agropecuária", afirmou.
Já a falta de transparência na formação de preços dos combustíveis no mercado mundial e de políticas públicas afetam a sustentabilidade financeira do setor mundial de biocombustíveis, apontaram especialistas.
Segundo dados apresentados por Luiz Augusto Horta Nogueira, professor da Universidade Federal de Itajubá (Unifei), os combustíveis fósseis recebem subsídios governamentais da ordem de US$ 440 bilhões por ano em todo o mundo.
Em contrapartida, os investimentos globais de suporte financeiro aos combustíveis de fonte renovável hoje são da ordem de US$ 100 milhões por ano.
"O etanol da cana-de-açúcar apresenta uma série de indicadores de sustentabilidade ambiental e se for comercializado em um mercado minimamente justo, com regras claras de formação de preços dos combustíveis, também apresenta sustentabilidade financeira", disse Nogueira.
"Mas não dá para esperar que ele compita com um combustível fóssil, como a gasolina, que recebe subsídios dessa ordem de grandeza", avaliou.