Redação do Site Inovação Tecnológica - 12/09/2024
Estado de borda
Normalmente, os elétrons movem-se através dos metais em qualquer direção. Quando encontram um obstáculo, essas partículas carregadas sofrem atrito, colidem e, por decorrência, ricocheteiam e se espalham aleatoriamente, como bolas de bilhar colidindo.
Mas, em certos materiais exóticos, conhecidos como isolantes topológicos, os elétrons parecem não se importar com nada que encontram pela frente. Nesses casos, os elétrons migram para a borda do material e fluem em uma direção definida. Nesse raro "estado de borda", os elétrons podem fluir sem atrito, deslizando sem esforço em torno de obstáculos enquanto se mantiverem em um fluxo no perímetro.
Ao contrário do que acontece com os supercondutores, onde todos os elétrons fluem sem resistência em toda a massa do material, a corrente transportada pelos modos de borda ocorre apenas no limite do objeto.
Agora, Ruixiao Yao e colegas do MIT, nos EUA, descobriram que esse estado de borda não se limita aos elétrons, podendo envolver átomos inteiros.
Pela primeira vez, a equipe capturou imagens de átomos fluindo ao longo de uma fronteira - a borda do material - sem resistência, mesmo quando obstáculos foram intencionalmente colocados em seu caminho. Isto abre caminho para aplicações práticas, incluindo a transmissão supereficiente e sem perdas de energia e de dados.
Fluxo de borda
Os físicos invocaram pela primeira vez a ideia de estados de borda para explicar um fenômeno curioso, conhecido hoje como efeito Hall Quântico, observado pela primeira vez em 1980, em experimentos com materiais em camadas, onde os elétrons ficam confinados a duas dimensões.
Quando os cientistas tentavam enviar uma corrente através desses materiais, eles observaram que os elétrons não fluíam diretamente através do material, mas, em vez disso, acumulavam-se em um lado, em porções precisas.
Mas comprovar essa hipótese vinha se mostrando desafiador. "A maneira como a carga flui sob um campo magnético sugere que deve haver modos de borda. Mas vê-los de fato é algo bem especial porque esses estados ocorrem em femtossegundos e em frações de nanômetro, o que é incrivelmente difícil de capturar," disse o professor Richard Fletcher.
Assim, em vez de encarar os minúsculos elétrons, a equipe se deu conta de que poderia recriar a mesma física em um sistema maior e mais observável, e fez isto observando átomos ultrafrios em uma configuração cuidadosamente projetada para imitar a física dos elétrons sob um campo magnético.
"Em nossa configuração, a mesma física ocorre em átomos, mas em [escalas de] milissegundos e micrômetros. Isso significa que podemos capturar imagens e observar os átomos rastejando essencialmente para sempre ao longo da borda do sistema," disse o professor Martin Zwierlein.
Átomos girando sem atrito
A equipe trabalhou com uma nuvem de cerca de 1 milhão de átomos de sódio, que eles encurralaram em uma armadilha controlada por laser e resfriaram a temperaturas na casa dos nanokelvin. Eles então giraram a armadilha, fazendo os átomos também girarem como pessoas no chapéu mexicano de um parque de diversões.
"A armadilha está tentando puxar os átomos para dentro, mas há uma força centrífuga que tenta puxá-los para fora," explicou Fletcher. "As duas forças se equilibram, então se você é um átomo, você acha que está vivendo em um espaço plano, mesmo que seu mundo esteja girando. Há também uma terceira força, o efeito Coriolis, de modo que, se eles tentarem se mover em uma linha, eles são desviados. Então esses átomos massivos agora se comportam como se fossem elétrons vivendo em um campo magnético."
Nessa realidade fabricada, os pesquisadores então introduziram uma "borda" na forma de um anel de luz laser, que forma uma parede circular ao redor dos átomos girantes. As imagens mostraram que, quando os átomos encontravam o anel de luz, eles fluíam ao longo de sua borda, em apenas uma direção, efetivamente criando um análogo do fluxo livre dos elétrons nos isolantes topológicos.
"Você pode imaginar que são como bolinhas de gude que você girou muito rápido em uma tigela, e elas simplesmente continuam girando e girando ao redor da borda da tigela," ilustrou Zwierlein. "Não há atrito. Não há desaceleração, e nenhum átomo vazando ou se espalhando no resto do sistema. Há apenas um fluxo bonito e coerente."
Beleza da física
O fluxo, sem esforço e sem obstáculos, se manteve mesmo quando os pesquisadores colocaram um obstáculo no caminho dos átomos, como uma lombada, na forma de um ponto de luz, que eles projetaram ao longo da borda do anel de laser original. Mesmo quando eles encontraram esse novo obstáculo, os átomos não diminuíram o fluxo e nem se dispersaram.
Em vez disso, eles deslizaram sem sentir atrito como já vinham fazendo, contornando o obstáculo, que na verdade não funcionou como obstáculo, mas como uma mudança de geometria da borda na qual eles fluíam.
"É uma realização muito limpa de uma parte muito bonita da física, e podemos demonstrar diretamente a importância e a realidade dessa borda," disse Fletcher. "Uma direção natural agora será introduzir mais obstáculos e interações no sistema, onde as coisas se tornam mais obscuras quanto ao que esperar."