Com informações da New Scientist - 12/05/2023
Ânyons
Uma partícula misteriosa e há muito procurada por ser capaz de se lembrar do seu passado, acaba de ser criada usando dois computadores quânticos diferentes.
A partícula, chamada ânyon, pode melhorar o desempenho dos computadores quânticos no futuro porque ela é perfeitamente adequada para armazenar dados: Um tipo específico de ânyon é diferente de qualquer outra partícula que conhecemos porque mantém uma espécie de registro de onde esteve (não confundir com um ânion, que é um íon com carga negativa).
Nas partículas comuns do mundo 3D, se você trocar duas delas de lugar - como um elétron por outro elétron, ou um fóton por outro fóton - ninguém conseguirá descobrir a troca porque nada nas partículas indicará que elas tenham sido trocadas.
Mas, na década de 1970, os físicos perceberam que não é bem assim quando se trata de quasipartículas que só podem existir em um mundo 2D - esses são os ânyons. Quasipartículas, como o nome sugere, não são partículas verdadeiras, mas sim vibrações coletivas que se comportam como se fossem partículas. Logo, não existem ânyons livres na natureza, mas os físicos acreditam ser possível encontrá-los em determinados materiais.
Ao contrário das partículas, a permutação de quaisquer ânyons os altera fundamentalmente, com o número de permutações influenciando a maneira como eles vibram.
Partícula com memória
Os ânyons são geralmente classificados como abelianos ou não-abelianos - o sim ou não abeliano refere-se às estatísticas das quasipartículas: ânyons abelianos obedecem estatísticas comutativas, enquanto ânyons não-abelianos não. De fato, seu nome vem de "any", qualquer em inglês, uma referência a qualquer estatística, e "on" é o sufixo normalmente adicionado ao nome das partículas.
Os ânyons não-abelianos carregam uma memória da ordem em que foram trocados, assim como um pedaço de corda trançada retém a ordem em que seus fios foram tecidos. Mas, enquanto os fios de uma corda interagem fisicamente, ânyons interagem através do fenômeno quântico do entrelaçamento, onde as propriedades das partículas estão inextricavelmente ligadas qualquer que seja a distância que as separe.
Essa memória inerente e a natureza quântica das quasipartículas tornam os ânyons não-abelianos candidatos ideais para fazer computação quântica porque tornaria tudo menos propenso a erros, o que é o grande gargalo da computação quântica atual.
Só que, até hoje, essas quasipartículas só existiam na teoria - ninguém nunca havia conseguido encontrar experimentalmente um ânyon não-abeliano.
Agora, duas equipes afirmam ter finalmente conseguido este feito - ambas usando computadores quânticos.
Ânyon simulado
Trond Andersen e colegas do Google usaram o computador quântico da empresa, que usa qubits supercondutores, enquanto Mohsin Iqbal e colegas das universidades Caltech e Harvard (EUA) e da empresa de computação quântica Quantinuum (Alemanha) usaram seu próprio processador quântico, chamado H2, que usa como qubits íons dos elementos químicos itérbio e bário, presos por campos magnéticos e lasers.
Iqbal e seus colegas entrelaçaram seus qubits iônicos em uma formação chamada rede kagome, um padrão de estrelas entrelaçadas comum nas tradicionais cestas japonesas (kagome em japonês significa padrão de buracos).
Isso deu aos qubits propriedades mecânicas quânticas idênticas às previstas para os ânyons. Com isto, ajustando as interações entre os qubits de uma maneira equivalente a mover os ânyons, os pesquisadores conseguiram testar e confirmar as mudanças nas propriedades dos ânyons dependentes de sua permutação. Eles haviam criados ânyons não-abelianos sintéticos, representados não por vibrações em um material, mas pelos qubits iônicos.
O experimento da equipe do Google foi similar, permitindo observar que, quando dois ânyons foram trocados, isso gerou uma mudança mensurável no estado quântico do sistema, fornecendo a assinatura dos ânyons não-abelianos.
Além de testar a utilidade dessas quasipartículas para a computação quântica, a possibilidade de manipular ânyons usando um processador quântico é particularmente útil para que os físicos possam entender melhor esse estado exótico da matéria.
Contudo, nem toda a comunidade física está convencida da comprovação experimental dos ânyons não-abelianos. Para alguns, um simulador quântico é a ferramenta ideal para demonstrações como essa, enquanto outros argumentam que uma simulação não é a coisa real e, portanto, podem faltar propriedades nos ânyons artificiais criados pelas equipes que poderiam estar presentes no ânyons reais.