Com informações da Agência Fapesp - 27/01/2016
Energia e neutrinos
Um detector de neutrinos totalmente projetado e construído no Brasil será instalado junto à parede externa do reator nuclear da Usina Angra 2, em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro.
O detector foi projetado para monitorar em tempo real o nível de atividade do reator. Funcionará como uma ferramenta adicional de salvaguarda de proteção para certificar que o combustível nuclear (urânio enriquecido) ou seu refugo (plutônio) não estão sendo retirados de forma não declarada das usinas.
"A Eletronuclear, operadora de Angra 2, quer checar a sua viabilidade técnica", diz Ernesto Kemp, do Instituto de Física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), responsável pelo projeto e construção do detector de neutrinos.
A fissão do urânio enriquecido no interior de um reator nuclear gera energia, mas também gera plutônio, hoje usado sobretudo em reatores para naves espaciais.
Ocorre que o processo também gera as menores e as mais numerosas partículas subatômicas que se conhece, os neutrinos. Eles não possuem carga elétrica (como seu nome indica) e até os anos 1990 não se sabia se tinham massa. Hoje se calcula que a massa dos neutrinos deve ser muito menor que a de um elétron, embora o valor ainda não tenha sido medido.
E os neutrinos podem ser usados para monitorar o funcionamento do reator, sem qualquer interferência no próprio equipamento da usina.
Detector de neutrinos
O detector de neutrinos é formado por um tanque com uma tonelada de água ultrafiltrada, cercado por 32 fotomultiplicadores. Toda vez que um neutrino se chocar com os átomos da água no detector (uma probabilidade baixíssima, mas que eventualmente ocorre), o choque gera fótons - luz - com intensidade suficiente para serem enxergados pelos fotomultiplicadores.
A cada segundo, o reator de Angra 2, com potência térmica de 4 gigawatts, produz algo como 100 bilhões de trilhões de neutrinos (1022 neutrinos). A uma distância de 30 metros, o detector será banhado a cada segundo por 1 trilhão deles (1012 neutrinos).
Em princípio, o detector poderia flagrar cerca de 5 mil neutrinos por dia, mas, na prática, o número relatado deverá ser menor. "Por dois motivos: o detector não é 100% eficiente e a filtragem do ruído causado por fontes naturais de radiação jogará fora uma fração considerável de eventos genuínos", diz Kemp.
Segundo João dos Anjos, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), "detectores de neutrinos em reatores nucleares são uma técnica já experimentada no Japão e na França. São detectores bem maiores, de 20 a 80 toneladas, enterrados em minas ou túneis. O nosso tem 1 tonelada. O grande desafio é criar um detector pequeno e móvel, que fique na superfície. É uma técnica nova que precisa ser testada."
Para tanto, o hardware e o software de análise precisarão distinguir as interações geradas pelos neutrinos do reator daquelas geradas pelo ruído de fundo, causado pelos raios cósmicos, pela torrente de neutrinos solares e pela radiação natural do meio ambiente. Em um detector enterrado e blindado, todo esse ruído é minimizado, mas na superfície a blindagem é zero. "Os sinais de raios cósmicos podem mimetizar e falsear um sinal de neutrino do reator. Não podemos incorrer em erros", afirma Ernesto Kemp.
Neutrinos brasileiros
O projeto brasileiro de neutrinos nasceu em 2005. A ideia inicial era construir um detector pequeno e outro muito maior, de 50 toneladas, enterrado embaixo do Morro do Frade, que fica a 1,5 quilômetro de Angra 2.
O grande detector foi orçado em US$ 50 milhões, com um projeto voltado para o estudo das oscilações de neutrinos - a descoberta da oscilação de neutrinos, a mudança de um tipo de neutrino para outro, rendeu o Prêmio Nobel de Física de 2015.
Na época existiam vários grupos com propostas similares espalhadas pelo mundo. Por questões de custos, vários grupos se uniram e o grupo brasileiro se juntou ao experimento de oscilação de neutrinos Double Chooz, que foi construído na França.
De qualquer forma, a construção de um detector de neutrinos totalmente nacional é um evento importante no campo da ciência e tecnologia brasileiras, embora não haja projetos de sua utilização científica.
"Nós, físicos brasileiros, já participamos de forma relevante em experimentos de partículas nos grandes laboratórios mundiais. Construir este detector nos deu grandes lições sobre como fazer ciência por aqui. Em caso de resultados positivos, estaremos contribuindo para a missão da AIEA [Agência Internacional de Energia Atômica] de monitoramento do destino seguro de rejeitos nucleares", afirma Kemp.
Neutrinos
Se por um lado a massa dos neutrinos é quase desprezível, por outro lado eles são produzidos em quantidades assombrosas nas reações termonucleares no núcleo das estrelas.
O Sol banha a Terra com um tsunami incessante de neutrinos que atravessa o planeta inteiro e segue em frente como se tivesse cruzado o vazio. Calcula-se que 60 milhões deles atravessam cada centímetro cúbico do nosso corpo a cada segundo, como se todos os átomos e células que nos formam não existissem - calcula-se também que um neutrino possa atravessar um cubo de chumbo com aresta de um ano-luz com uma probabilidade mínima de se chocar com os densos átomos do metal.
É exatamente essa propriedade fantasmagórica dos neutrinos que servirá para monitorar a atividade do reator de Angra 2. Apesar de o reator estar blindado por metros e mais metros de chumbo, aço e concreto, para os neutrinos gerados na fissão é como se não existisse nenhuma barreira.
O detector de neutrinos ficará encostado na parede externa da usina, a 30 metros do reator. Assim, poderá monitorar o fluxo de neutrinos e aferir o nível de atividade da usina.