Com informações da Universidade de Bolonha - 12/07/2022
Alquimia testada em laboratório
A alquimia pode ser descrita como uma protociência? Os textos antigos, com fórmulas e procedimentos obscuros, descrevem rituais místicos e visões alegóricas ou instruções para realizar experimentos científicos reais? De modo mais geral, a alquimia pode ser considerada a predecessora da química?
Um grupo de estudiosos da Universidade de Bolonha, na Itália, composto por filólogos, historiadores da ciência e, claro, químicos, tentou responder a essas perguntas. Para isso, eles não apenas reviveram e estudaram em detalhes antigos textos alquímicos, como também colocaram em prática no laboratório os procedimentos descritos nesses textos.
Os resultados, trazendo de volta ao laboratório receitas que não eram postas em prática há séculos, impressionaram até mesmo a própria equipe: Eles descobriram processos químicos que a ciência moderna não conhecia.
A pesquisa se concentrou em um dos elementos mais fascinantes da história da alquimia: O mercúrio. De fato, suas propriedades químicas e físicas únicas chamaram a atenção de antigos alquimistas, que o conceberam como um constituinte comum a todos os metais. Notavelmente, várias fontes antigas delinearam procedimentos para a extração de mercúrio do mineral cinábrio (HgS, ou sulfeto de mercúrio).
Começando com os registros mais antigos, que aparecem nos escritos clássicos de Teofrasto (Grécia Antiga, 372 a.C.) e Vitrúvio (Roma, 50 a.C.), os estudiosos analisaram textos de vários fundadores da alquimia: Papiros que remontam ao Egito greco-romano, nos primeiros séculos da era comum, uma série de receitas atribuídas a Demócrito (Grécia Antiga, 300 a.C.) e os textos do alquimista Zósimo de Panópolis (Egito, 300 d.C).
Esses documentos foram estudados em grego e siríaco e, em alguns casos, traduzidos pela primeira vez para línguas modernas.
Rotas químicas esquecidas
As receitas e procedimentos encontrados nos textos foram então reproduzidos em laboratório, com ferramentas modernas, seguindo as instruções ao pé da letra. Os resultados foram realmente surpreendentes.
"O trabalho de laboratório revelou uma variedade inesperada de métodos de extração de mercúrio. Alguns deles nunca foram abordados pela química moderna," disse a professora Lucia Maini, uma das autoras do estudo. "Nós traçamos as origens da química mecânica [ou mecanoquímica] a partir de textos que datam do século 4 a.C., quando o cinábrio começou a ser moído em pilões de cobre para extrair mercúrio. Mais tarde, os experimentos continuaram com outros metais, como estanho e chumbo."
Os experimentos de laboratório também revelaram o papel central do ferro nos procedimentos de extração por sublimação, ou seja, o processo de transformar uma substância do estado sólido para o gasoso.
Além disso, as receitas antigas também revelaram o uso de substâncias inesperadas e evocativas como o natrão, um mineral (carbonato de sódio hidratado) com um suposto valor "purificador", intrinsecamente ligado à cultura e religião do antigo Egito. A reação do cinábrio com o natrão foi assim "redescoberta" e testada em laboratório.
Descrentes do conhecimento
"Hoje, parece haver uma perigosa dicotomia em relação à ciência, entre as pessoas que acreditam nela e as que não acreditam. Essa polarização insidiosa perde de vista o fundamento da ciência: O longo caminho da pesquisa experimental," comentou o professor Matteo Martelli, membro da equipe. "Nossa pesquisa refez um desses caminhos e mostrou que a química pode reivindicar uma história de milênios, que foi deixada no esquecimento. Além disso, pode trazer de volta ao laboratório técnicas e procedimentos que durante séculos permaneceram fora dos espaços onde o conhecimento científico é atualmente gerado e testado."