Redação do Site Inovação Tecnológica - 17/09/2020
Água que não ferve
Nas condições ambientais da Terra - e ao nível do mar - a água ferve aos 100 ºC, sofrendo uma transição de fase e passando do estado líquido para o estado gasoso.
Experimentos realizados com alta velocidade de aquecimento já haviam conseguido manter a água em estado líquido até cerca de 110 ºC.
Agora, uma equipe do laboratório europeu XFEL (sigla em inglês para Laser Europeu de Raios X) superou largamente esse recorde.
Felix Lehmkühler e seus colegas mostraram que a água pode se manter em estado líquido até 172 ºC, o que não apenas é um recorde inesperado por si só, como mostra que a água tem ainda mais segredos do que os mais de 80 já conhecidos - as chamadas anomalias da água, que nenhuma outra substância conhecida apresenta.
Aquecimento ultrarrápido
O XFEL é o laser de raios X mais poderoso do mundo, podendo gerar até 27.000 flashes intensos de raios X por segundo. Para seus experimentos, os pesquisadores usaram séries de 120 flashes cada, com cada flash individual durando menos de um milionésimo de segundo - exatamente 0,886 microssegundo. Os cientistas dirigiram esses disparos pulsados para um tubo fino de vidro de quartzo cheio de água e observaram a reação da água.
"Nós nos perguntamos por quanto tempo e com que intensidade a água pode ser aquecida no laser de raios X e se ela ainda se comporta como água," explicou Lehmkühler. "Por exemplo, ela ainda funciona como um refrigerante em altas temperaturas?"
Uma compreensão detalhada da água superaquecida também é essencial para um grande número de investigações em amostras sensíveis ao calor, como polímeros ou amostras biológicas, e em aplicações tecnológicas, envolvendo refrigeração e resfriamento de máquinas e equipamentos.
Anomalia browniana
Conforme ajustavam os pulsos de alta energia, os pesquisadores puderam ir observando a água permanecendo líquida conforme a temperatura aumentava, alcançando níveis nem sequer previstos.
Os modelos teóricos ainda não podem explicar satisfatoriamente esse comportamento da água porque eles não foram projetados para a água nessas condições extremas.
E essa não foi a única característica anômala da água verificada durante o experimento. Para checar a "liquidez" da água, os físicos também analisaram o movimento de nanoesferas de silício que foram deixadas flutuando na água, como marcadores da dinâmica na amostra.
"Na água extremamente superaquecida, observamos que o movimento das nanoesferas de dióxido de silício se desviou significativamente do movimento molecular browniano esperado. Isso indica um aquecimento desigual da amostra," contou Lehmkühler.
Com os novos dados, os físicos e químicos agora se debruçarão sobre seus modelos, tentando criar um arcabouço teórico mais amplo, que possa explicar a enigmática água de maneira mais abrangente.