Redação do Site Inovação Tecnológica - 28/07/2021
Água metálica
A água pura, perfeitamente destilada, não é um bom condutor de eletricidade - de fato, ela é um isolante elétrico.
Já a água "comum", como a que usamos para beber, conduz eletricidade graças aos sais dissolvidos nela, mas mesmo nesse caso a condutividade desse eletrólito - água mais sais - é relativamente baixa, várias ordens de magnitude menor que a dos metais.
Por outro lado, os físicos estimam que, sob pressões descomunais, de cerca de 50 milhões de vezes a pressão atmosférica terrestre, é possível que a água exista em uma forma metálica, o que a tornaria tão boa condutora elétrica quanto um fio de cobre, por exemplo.
É o que deve acontecer no núcleo de planetas gigantes, como Júpiter, onde a alta pressão comprime as moléculas de água a ponto de suas camadas de elétrons começarem a se sobrepor. Mas gerar esse tipo de pressão ainda estava fora das cogitações mais otimistas para comprovar essa teoria.
Agora, uma equipe de 15 cientistas, de onze instituições de várias partes do mundo, conseguiram pela primeira vez realizar um experimento que produziu água metálica sob condições terrestres, com as amostras durando vários segundos.
Como fazer a água virar um metal
Como ainda está fora do nosso alcance gerar pressões de 50 Mbar em laboratório, Philip Mason e seus colegas dispensaram a necessidade de altas pressões, usando uma abordagem completamente diferente para produzir uma solução aquosa com propriedades metálicas: Eles usaram metais alcalinos, que liberam seu elétron externo com muita facilidade.
Acontece que a química entre os metais alcalinos e a água é altamente explosiva: O sódio ou outros metais alcalinos começam imediatamente a queimar quando entram em contato com a água - jogue o suficiente e você terá uma baita explosão.
Mas a equipe encontrou uma maneira de controlar essa química violenta: Eles não jogaram um pedaço de metal alcalino na água, eles fizeram ao contrário, colocando minúsculas quantidades de água em uma gota de metal alcalino, um liga de sódio-potássio (Na-K) que é líquida à temperatura ambiente.
Saindo por um bocal para o interior de uma câmara de vácuo, a gota cresce por cerca de 10 segundos, até se desprender do conta-gotas e pingar. Conforme a gota cresce, um pouco de vapor d'água flui para a câmara, formando uma película extremamente fina na superfície da gota, com apenas algumas camadas de moléculas de água.
Isso quase imediatamente faz com que os elétrons, bem como os cátions metálicos, da liga alcalina se dissolvam na água mais rápido do que a velocidade da reação química que resulta na explosão. Os elétrons liberados na água se comportam então como elétrons livres em uma banda de condução, um análogo preciso da água metálica.
Em outras palavras, a água vira um metal dourado, que dura alguns segundos, antes de começar a se desfazer espontaneamente (a partir dos 6s na foto acima).
Água metálica em laboratório
"Graças a isso, fomos capazes de criar uma fina camada de solução de água metálica dourada que durou vários segundos, e isso foi o suficiente para não apenas a vermos com nossos próprios olhos, mas também medi-la com espectrômetros," contou o professor Pavel Jungwirth, da Academia Tcheca de Ciências. "Nós mais ou menos improvisamos o aparato necessário em um pequeno laboratório em nosso instituto em Praga, que também foi onde os primeiros experimentos aconteceram. Em seguida, obtivemos a evidência chave para a presença de água metálica usando espectroscopia de fotoelétrons de raios X no síncrotron em Berlim."
O laboratório síncrotron DESY permitiu coletar as duas impressões digitais decisivas de uma fase metálica da água: A frequência dos plásmons de superfície e a banda de condução. Enquanto a frequência dos plásmons da "pele" da água metálica e dourada é de cerca de 2,7 eV (ou seja, na faixa azul da luz visível), a banda de condução tem uma largura de cerca de 1,1 eV.
"Nosso estudo não apenas mostra que a água metálica pode de fato ser produzida na Terra, mas também caracteriza as propriedades espectroscópicas associadas ao seu belo brilho metálico dourado," disse o professor Robert Seidel, da Universidade Humboldt, na Alemanha.