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Eletrônica

O século XXI irá representar 20.000 anos de progresso humano

Agostinho Rosa - 07/10/2002



Especial
O século XXI irá representar 20.000 anos de progresso humano

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Em um mundo onde as descobertas são quase sempre resultado de esforços conjuntos, de trabalhos realizados em laboratórios com vários profissionais, multidisciplinares e, muitas vezes, reunindo vários laboratórios ao redor do mundo, Raymond Kurzweil ainda parece trabalhar à moda antiga. Não que ele dispense os colaboradores, mas a forma com que apresenta seus trabalhos e idéias torna este americano nascido em 1.948 um dos expoentes do mundo científico atual.

Ao contrário da maioria dos cientistas, que não vêem uma conexão possível entre a ciência e as profecias, Raymond Kurzweil não se intimida em emitir previsões para as décadas futuras. E para mostrar que acredita realmente no que diz, ele apostou US$20.000,00 que, em 2.029, uma máquina será capaz de passar pelo teste de Turing. O valor da aposta foi depositado junto à Long Bet Foundation, uma instituição dedicada a imaginar o futuro.

O teste de Turing consiste em que uma máquina consiga simular um ser humano. Uma pessoa deve interagir com o computador por meio de um terminal, através unicamente de texto. O computador passa no teste se a pessoa não for capaz de distinguir se está conversando com uma pessoa ou com um computador. Não há restrições sobre os assuntos que a pessoa possa conversar com o computador. Qualquer coisa dentro da experiência humana é válido, seja arte, ciência, história pessoal ou relações sociais. A linguagem também é livre e metáforas podem ser usadas como em uma conversa normal. Os experimentos atuais de Inteligência Artificial ainda nem se aproximam de tamanha sofisticação.

Mas Kurzweil não parou por aí. Falando em uma Conferência sobre sensores, ele disse que, em 2.030, nanosensores poderão ser injetados na corrente sanguínea de uma pessoa, implantando microchips que poderão amplificar ou mesmo suplantar diversas funções cerebrais. As pessoas poderão então compartilhar memórias e experiências íntimas emitindo suas sensações como ondas de rádio para os sensores de outra pessoa.

Em sua palestra intitulada "The Rapidly Shrinking Sensor: Merging Bodies and Brain" (O Rápido Encolhimento dos Sensores: Juntando Corpo e Cérebro), Kurzweil disse que a realidade virtual poderá ampliar as sensações humanas, permite até que uma pessoa altere espontaneamente sua identidade e até aja como se tivesse outro sexo.

Estas afirmações deliberadamente provocativas poderiam ser apenas curiosidades caso não estivessem sendo feitas por um cientista recentemente agraciado com o National Inventors Hall of Fame, o mais importante prêmio dado nos Estados Unidos para pesquisadores individuais. O prêmio é dado anualmente pelo consagrado MIT (Massachusets Institute of Technology).

O prêmio foi dado em reconhecimento ao trabalho de Kurzweil na área de reconhecimento de caracteres e voz. Ele inventou o primeiro sistema de reconhecimento de caracteres que trabalha com qualquer tipo de fonte, o primeiro scanner de mesa baseado na tecnologia CCD e o primeiro sintetizador texto-voz. Mas a lista de suas realizações inventivas chega a incríveis 27 "primeiro a ... ".

Em sua palestra, o inventor e criador de meia dúzia de empresas ressalta que a taxa de progresso tecnológico está se acelerando. "Mudanças de paradigma exigem muito menos tempo hoje. O que levava 50 anos para se desenvolver no passado não irá tomar 50 anos no futuro." disse o cientista. Segundo ele, cem anos de progresso poderão ser facilmente reduzidos para 25 anos ou menos.

"A Lei de Moore é apenas um exemplo: todo o progresso do século XX pode duplicar-se nos próximos 14 anos.", disse Kurzweil. "De certa forma, o século XXI irá representar 20.000 anos de progresso. Com tal aceleração, torna-se possível visualizar uma interação com a tecnologia que era anteriormente reservada para escritores de ficção científica."

As tendências atuais tornarão possível a engenharia reversa do cérebro humano por volta de 2.020. E US$1.000,00 de custo de computação, o que mal cobria o custo de um processador 8088 em 1.982, irá oferecer 1.000 vezes mais capacidade do que o cérebro humano em 2.029.

A engenharia reversa do cérebro refere-se a um possível mapeamento de cada região do cérebro. Modelos matemáticos seriam construídos para que se reproduza o comportamento de cada uma destas regiões. O passo natural seguinte seria a construção de máquinas - circuitos eletrônicos - que desempenhassem as mesmas funções ou então a programação de computadores com algoritmos que simulassem estas regiões. Todas juntas poderiam formar um cérebro virtual ou um cérebro eletrônico.

É daí que emerge o nome de sua palestra. Segundo o professor-visionário, os sensores são elementos-chave nessa tecnologia. Serão eles os responsáveis pela captação dos diversos impulsos vindos de cada parte do cérebro ou de cada parte do corpo, repassando os impulsos entre as porções virtuais.

Kurzweil é um entusiasta de sua principal área de pesquisa, a Inteligência Artificial. Ele citou o desenvolvimento de uma personalidade virtual, uma atendente que auxilia os viajantes a montarem seu roteiro de viagem, reservar as passagens e escolher a poltrona. O sistema, baseado em reconhecimento e sintetização de voz, está em pleno funcionamento na empresa aérea britânica British Airways. Durante a palestra, ele apresentou também Ramona, a atendente virtual que recebe os visitantes em seu site.

"Inteligência Artificial trata de fazer com que os computadores façam coisas inteligentes. Em termos de senso comum, os humanos são mais avançados do que os computadores... ainda que o cérebro humano faça apenas cerca de 200 cálculos por segundo. Os equipamentos de computação disponíveis em 2.030 serão capazes de fazer 100 trilhões de conexões e 1026 cálculos por segundo." disse Kurzweil.

Atualmente, vários fabricantes e laboratórios de pesquisa já possuem protótipos avançados de computadores de vestir. Sensores magnéticos e de rádio-freqüência embutidos nas roupas são capazes de permitir uma troca de cartões de visitas através de um simples aperto de mão. Extrapolando tais experiências, Kurzweil diz que logo será possível que os interlocutores intercambiem todos os seus cinco sentidos.

Extrapolando ainda mais, Kurzweil afirma que, entre 2.030 e 2.040, inteligência não biológica poderá se tornar dominante. O curioso é que sua perspectiva futurística rejeita a visão tradicional dos ciborgs ou robôs humanóides. Ao contrário de dar sentidos humanos a uma máquina, o cientista acredita que os humanos poderão receber injeções de máquina em suas veias. A tendência "é a imersão total de realidade virtual no interior de nosso sistema nervoso, o que envolverá milhões ou mesmo bilhões de nanobots comunicando-se de forma não invasiva através de nosso sistema nervoso."

Implantes da cóclea (parte anterior do labirinto humano) já permitem a restauração da audição de vários pacientes. Chips implantados também têm mostrado resultados animadores no controle muscular de pacientes com mal de Parkinson.

Mas o professor não deixou de mostrar também o lado negro das suas visões. Uma das maiores ameaças da nanotecnologia, que a maioria dos cientistas reputam apenas como delírio de ficção, é a possibilidade de que máquinas microscópicas possam construir outras iguais a si mesmas, criando um fenômeno de auto-multiplicação. Segundo Kurzweil, no futuro, nanomáquinas auto-replicantes poderão se transformar em uma espécie de câncer. Mas, para não terminar de maneira ameaçadora, ele ressaltou que há, na tecnologia, muito mais coisas para nos libertar do que para nos ameaçar.

Para aqueles que gostariam de ser tão inventivos quanto o professor Kurzweil, ele dá a receita. Antes de dormir, deve-se pensar em um problema, sem tentar resolvê-lo. Pela manhã, enquanto a grande maioria das pessoas desperta diretamente do sonho para a vigília, Kurzweil afirma conseguir ficar em um estado intermediário, como que sonhando acordado, o que ele chama de sonho lúcido. Segundo ele, "enquanto você está dormindo, você não reconhece tabus sexuais ou sociais e outras inibições também estão relaxadas. Mas o que falta no estado de sonho total é o lado racional e lógico. Quando está sonhando algo esquisito, você não pensa: 'isto é estranho.'. No estado de sonho lúcido você pensa isto e é isto que torna este um momento de criatividade único.

Ray Kurzweil é autor dos livros A Era das Máquinas Espirituais e A Era das Máquinas Inteligentes.

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