Joint Centre for Bioethics - Canadá - 14/01/2005
Ciência e tecnologia são tão criticamente importantes para melhorar as condições de vida nos países pobres que os conselheiros científicos devem se juntar aos economistas no centro de criação de políticas sobre questões de desenvolvimento. Esta é a conclusão de um grupo de 27 especialistas internacionais convidados pela ONU para analisar a questão.
"Consultoria econômica será sempre importante para guiar os políticos em questões de desenvolvimento. Mas em uma economia baseada no conhecimento, líderes e governos necessitam cada vez mais de conselheiros científicos para fazer um uso efetivo das tecnologias emergentes," afirma Calestous Juma, um dos autores do relatório.
"Em um mundo marcado pelas rápidas mudanças tecnológicas e pelas enormes oportunidades emergentes apresentadas pela biotecnologia e pela nanotecnologia, consultores científicos logo serão uma parte essencial de cada gabinete presidencial ou executivo, incluindo o gabinete do Secretário-Geral da ONU," conclui ele.
O relatório "Inovação: Aplicando Conhecimento ao Desenvolvimento", foi elaborado pela Força Tarefa em Ciência, Tecnologia e Inovação, que faz parte do Projeto Millennium da ONU. O objetivo do Projeto Millennium é alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Millennium, um conjunto de objetivos claros e quantificáveis que deverão ser alcançados até 2015. Endossados por todos os líderes mundiais em 2000, os Objetivos incluem a redução da pobreza, da fome, do analfabetismo, da degradação ambiental e da discriminação contra as mulheres.
Elaborado em três anos, o relatório da Força Tarefa (um grupo de 19 membros, mais oito membros adicionais formando um grupo de trabalho sobre genômica e nanotecnologia, baseado na Universidade de Toronto, Canadá) afirma que a ciência, a tecnologia e a inovação ajudaram a eliminar em larga escala a pobreza e a fome e a sustentar um forte crescimento econômico no sudeste da Ásia e na Ásia do Pacífico.
O relatório afirma ainda que o papel potencial da ciência e da tecnologia na redução da pobreza e da fome em regiões em desenvolvimento, principalmente na África, está sendo subestimado.
Mesmo nos países em desenvolvimento muitos consideram a ciência e a tecnologia irrelevantes para as necessidades imediatas ou têm uma apreensão incorreta de que o progresso tecnológico causará perda de empregos, afirma o Dr. Juma, um especialistas em desenvolvimento internacional da Escola Kennedy de Governo, em Harvard.
O relatório recomenda aos países:
1) Criar e ampliar instituições de aconselhamento em ciência e tecnologia em níveis nacionais e internacionais;
2) utilizar instituições avançadas de ensino, como as universidades, diretamente a serviço do desenvolvimento da comunidade;
3) reforçar os programas nacionais que tenham por objetivo promover o desenvolvimento de negócios;
4) criar projetos de infraestrutura como uma forma de promover a inovação tecnológica.
O Dr. Lee Yee-Cheong, um dos coordenadores do relatório e presidente da Federação Internacional de Organizações de Engenharia, afirma: "As três grandes ondas da tecnologia - tecnologia da informação e comunicação, genômica e biotecnologia e nanotecnologia - devem cada vez mais serem utilizadas pelos países em desenvolvimento na geração de ganhos sociais e econômicos. Se conhecimento é poder, a tecnologia é a chave para o desenvolvimento."
"Os críticos afirmam que a primeira prioridade é um melhor serviço de saúde," afirma o Dr. Peter Singer, do Centro Unificado de Bioética, da Universidade de Toronto, Canadá. "Certamente uma abordagem adequada para a malária, por exemplo, requer um melhor sistema de saúde pública (na forma de educação, saneamento e melhor acesso aos medicamentos já existentes), mas irá exigir também mais ciência e tecnologia (por exemplo, melhores ferramentas de diagnóstico, novas drogas para combater a resistência e, em última instância, uma vacina)."
O grupo de trabalho identificou 10 desafios para a biotecnologia considerados mais importantes para melhorar a saúde nos países em desenvolvimento na próxima década (ver relatório sobre Saúde no quadro Para Navegar). No topo da lista estão novas ferramentas médicas que possam diagnosticar rapidamente e com precisão doenças como a AIDS e a malária.
"O relatório não diz aos países como implementar estas medidas, mas oferece uma grande variedade de 'lições aprendidas' para ilustrar como os países desenvolvidos e em desenvolvimento utilizaram a ciência, a tecnologia e a inovação para atingir seus objetivos de desenvolvimento," afirma o Dr. Juma.
São vários os exemplos citados.
Engenheiros do serviço público de água do Uruguai desenvolveram um pequeno sistema de tratamento de água de baixo custo para ser utilizado pelos seus soldados em missões de paz na África em meados dos anos 1990. A Unidade Autônoma de Água Potável tem seis metros de comprimento e pode ser colocada em operação em 24 horas. Mais de 120 unidades já foram instaladas no Uruguai, onde o equipamento reduziu doenças transmitidas por águas poluídas, especialmente o cólera. Unidades foram doadas para a Nicarágua e para El Salvador após a passagem do furação Mitch. A Índia mostrou interesse em comprar a tecnologia, assim como a Hungria, a África do Sul e o Brasil.
"Conhecimento tecnológico amplo e variado é essencial para os países em desenvolvimento em uma economia global que se caracteriza pela rápida disseminação da informação e de outras novas tecnologias, pela diminuição das distâncias econômicas e onde mais e mais processos econômicos requerem trabalhadores capacitados," afirmou ele.
O governo de Ruanda reconheceu a importância da tecnologia para o desenvolvimento quando converteu um quartel militar na sede de uma nova Universidade, o Instituto de Ciências, Tecnologia e Administração de Kigali. Criado das cinzas de um genocídio, com a ajuda do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas e da Agência Alemã para Cooperação Técnica, a Universidade diplomou em 2002 seus primeiros graduandos em ciência da computação, engenharia e administração.
Entretanto, para serem efetivas, ciência, tecnologia e inovação devem estar no centro de um processo de desenvolvimento. Elas devem ser o núcleo de políticas industriais, agrícolas e de serviços, criando conexões explícitas entre instituições privadas e não-privadas.
A transformação da Malásia de um vendedor de matérias-primas em uma diversificada economia que exporta produtos eletrônicos e serviços tecnológicos é o resultado de se colocar a ciência no centro do desenvolvimento. Em 1980 o país criou a Academia de Ciências da Malásia para servir aos objetivos do desenvolvimento nacional. A Academia trabalha intimamente ligada com o Gabinete de Ciências para oferecer suporte ao Gabinete do Primeiro Ministro. O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e outros ministérios buscam auxílio na Academia regularmente.
A Nigéria e a África do Sul adotaram o modelo da Academia de Ciências da Malásia, oferecendo um substancial aporte de recursos de US$5 milhões para garantir o funcionamento adequado e a manutenção de uma equipe permanente em suas próprias academias. O Zimbábue e a Tunísia também planejam integrar cientistas e engenheiros nas academias que pretendem criar.
Enquanto o relatório destaca a importância da educação superior, ele também assinala que mais de 370 milhões das 1,3 bilhão de crianças em idade escolar no mundo (28 por cento) não estão na escola. O problema da baixa escolaridade ou da falta absoluta de escolaridade não deve diminuir sem uma forte intervenção. Um adicional de 15 a 35 milhões de professores treinados serão necessários na próxima década se todos os países quiserem atingir o objetivo de educação primária universal em 2015.
A Universidade Virtual Africana começará neste ano a utilizar a Internet para auxiliar no treinamento de novos professores por meio do ensino à distância. Estabelecida em Nairóbi, Quênia, a Universidade Virtual já instalou centros de aprendizagem em 17 países africanos. Mais de 23.000 pessoas foram treinadas em jornalismo, economia, ciência da computação, línguas e contabilidade desde sua criação, em 1997, que contou com a ajuda do Banco Mundial.
Mais importante, a grande quantidade de matrículas de mulheres (mais de 40 por cento) foi resultado da flexibilidade oferecida pelo ensino à distância. O modelo da Universidade Virtual pode ser adotado em nível nacional, conectando universidades e possivelmente ajudando-as a oferecer treinamento a escolas de ensino médio vizinhas.
Mesmo nos países em desenvolvimento onde há importantes institutos de pesquisa e laboratórios, eles freqüentemente não têm ligações fortes com o setor privado. Isso torna difícil ou mesmo impossibilita a transformação das descobertas nos laboratórios em produtos comercializáveis. Não há uma solução fácil para esse problema, exceto a criação de oportunidades para que os laboratórios de pesquisa e desenvolvimento públicos trabalhem em conexão com a iniciativa privada.
Em Taiwan (China), mais de 30 consórcios de pesquisa e desenvolvimento foram formados para incentivar a cooperação entre vários laboratórios do Instituto de Pesquisa Industrial e Tecnológica do governo e pequenas e médias empresas para a transferência de tecnologia e para o desenvolvimento de processos e produtos inovadores. Esses esforços permitiram a produção de computadores portáteis, televisores de alta definição, videofones, faxes a laser, comunicações de banda larga, equipamentos de comunicação digital, estações receptoras de satélite e cartões inteligentes.
"Agora é a hora de plantar as sementes da mudança - na educação, no governo e na iniciativa privada - que pode começar a levar adiante os países em desenvolvimento," afirma o Dr. Juma.
Ele acrescenta que alguns governos ao redor do mundo já estão agindo. O Canadá criou o Conselho Nacional de Ciências para o Primeiro Ministro e destinou 5% das verbas nacionais de pesquisa e desenvolvimento para buscar soluções para os desafios dos países em desenvolvimento, especialmente saúde, meio-ambiente e tecnologias de ensino; o governo irlandês já indicou um Conselheiro Chefe de Ciências para o Primeiro Ministro; o governo da Jamaica criou um programa formal destinado a aumentar o interesse dos estudantes em ciência e tecnologia; e a Índia anunciou planos para formar um conselho científico para assessorar o Primeiro Ministro.
O relatório completo do Projeto Millennium, "Investindo no Desenvolvimento: Um Plano Prático para Atingir os Objetivos de Desenvolvimento Millennium" será apresentado ao Secretário Geral da ONU no próximo dia 17 de Janeiro.