Redação do Site Inovação Tecnológica - 28/07/2003
Três anos antes de receber o Prêmio Nobel de Física, o Dr. Eugene Wigner publicou um artigo intitulado "A efetividade irracional da Matemática nas Ciências Naturais". Isso foi em 1960. No artigo, ele se maravilhava em como freqüentemente os físicos desenvolviam conceitos para descrever o mundo real somente para descobrir que os matemáticos já haviam pensado e explorado esses conceitos. Sua própria experiência da misteriosa aplicabilidade das sacadas dos matemáticos para a realidade física da mecânica quântica levou Wigner a observar "que a enorme utilidade da matemática nas ciências naturais é algo que se aproxima do mistério e que não há explicação racional para isso."
Foi sem dúvida a observação dessa misteriosa correspondência entre a Matemática e a Física que levou a revista Science a transformar em matéria de capa da edição de 25 de Julho alguns aglomerados de microesferas coloidais que estão sendo objeto de estudo do professor David Pine, da Universidade de Santa Barbara (Estados Unidos) e seus dois estudantes de pós-graduação Vinothan Manoharan e Mark Elsesser. Os três assinam o artigo "Densidade e simetria em pequenos aglomerados de microesferas.", tema da capa da revista.
A história começa com a iridescência das opalas (pedras semipreciosas), as quais são compostas de esferas homogêneas de cerca de um micrômetro de diâmetro. As esferas se aglutinam em uma estrutura chamada rede FCC ("Face-Centered Cubic": rede cúbica de face centrada), rede esta que possui a mesma disposição que a utilizada nos supermercados para o empilhamento de laranjas e maçãs. Como as esferas constituintes das opalas têm mais ou menos o mesmo tamanho do comprimento de onda da luz visível, seu arranjo difrata a luz e causa o fenômeno da iridescência, um brilho multicor. A iridescência característica das opalas deu origem ao nome opalescência.
O objetivo dos pesquisadores era utilizar as características óticas das opalas para a construção de materiais com novas propriedades óticas. Em princípio esses materiais, conhecidos como cristais fotônicos, permitirão a construção de novos e baratos circuitos óticos e poderão também aumentar a eficiência de dispositivos tais como LEDs e lasers. Mas a matéria da revista Science não se concentra em como se construir um cristal fotônico. Ao invés disso, ela explora o que os cientistas descobriram ao tentar construir um desses cristais.
Eles começaram tentando encontrar formas de aglutinar minúsculas esferas, tais como as que formam as opalas, em estruturas diferentes das redes FCC. Este é um problema difícil de ser resolvido, uma vez que o matemático Johannes Kepler (1571-1630) já havia previsto há muito tempo que as redes FCC são a mais densa estrutura possível de ser construída com um número infinito de esferas. Em outras palavras, a rede cúbica de face centrada surge naturalmente sempre que um grande número de esferas são postas juntas sob pressão. Mas os pesquisadores passaram a se concentrar no que acontece quando se está trabalhando com um número finito de esferas. Que estruturas se formam a partir de um número muito pequeno de esferas, digamos, cinco ou oito?
Os experimentos que responderam a esta questão começaram com o estudante Manoharan pegando microesferas coloidais de polistireno e prendendo as partículas em pequenas gotas do óleo solvente tolueno. Então ele aqueceu a mistura de forma que as gotas de solvente evaporassem, aglomerando as partículas em diminutos cachos. Finalmente, utilizando uma centrífuga, ele separou os cachos de acordo com o número de partículas em cada um.
"O que realmente chamou nossa atenção," afirma Manoharan, "foi que os cachos que continham o mesmo número de partículas sempre tinham a mesma configuração." Ou, na linguagem do artigo da Science, "pequenos números (n = 2-15) de esferas rígidas aglomeram-se em poliedros distintos e idênticos para cada valor de n." Mas, quando Manoharan examinou os cachos no microscópio, ele descobriu que muitas das estruturas tinham uma belíssima e inesperada simetria. O cacho de sete esferas, por exemplo, lembra uma flor com cinco pétalas.
Surpreendentemente, a simetria dessas configurações não tem nada a ver com as ligações químicas ou com a mecânica quântica. Os cachos de microesferas obedecem a um princípio matemático muito simples, que foi explorado pela primeira vez em 1995 pelos matemáticos N.J.A. Sloane, da AT&T, e John Conway, da Universidade Princeton (Estados Unidos). Eles derivaram as estruturas de aglomerados de esferas que minimizam uma quantidade chamada "segundo momento da distribuição de massa".
"O que é 'segundo momento'?", explica o professor Pine. "Tome um desses cachos e defina seu centro de gravidade como o ponto no qual se você segurar o cacho por um ponta, ele não irá rotacionar. Então você pega as distâncias entre cada uma das esferas e esse centro de gravidade (medindo a partir do centro das esferas), eleva essas distâncias ao quadrado e soma esses quadrados, e isso é o segundo momento da distribuição de massa."
As estruturas que os matemáticos predisseram são as mesmas encontradas nos cachos de microesferas coloidais. "O que é espantoso," disse Pine, "é que seus interesses não tinham nada a ver com colóides ou emulsões. Eles estavam estudar um problema de matemática pura."
Os pesquisadores alertam que eles não entendem totalmente o processo físico que faz com que os cachos minimizem essa quantidade. Mas a conexão com a matemática tem uma certa elegância.
Manoharan ressalta que os resultados da pesquisa podem ser relevantes para outros campos que não o dos colóides, já que os cientistas freqüentemente modelam os blocos básicos da matéria como esferas. "Esses cachos nos dizem algo sobre como a simetria na matéria pode resultar de uma simples limitação de aglutinação. Isto pode ser importante no entendimento da estrutura dos líquidos em escala atômica, por exemplo. Entre a beleza matemática das estruturas dos aglomerados e suas aplicações na engenharia, há uma parcela interessante da física em termos do entendimento de como a geometria afeta as propriedades básicas da matéria."