Redação do Site Inovação Tecnológica - 20/01/2003
De novo o acaso
Um novo tipo de material, descoberto acidentalmente em um laboratório de física da Universidade de Harvard (Estados Unidos), poderá ser a chave para a construção de equipamentos mais eficientes para a conversão da luz solar em energia elétrica, para a comunicação pela luz e para o monitoramento do meio-ambiente.
O material veio à luz quando alguns estudantes de graduação e seu orientador, Eric Mazur, decidiram tratar uma pastilha de silício com laser de alta-intensidade. O silício é a substância com a qual todos os chips são construídos; sem ele, não haveria computadores, nem Internet, nem telefones celulares e nem qualquer outro aparelho eletrônico.
Silício negro
Os estudantes e seu professor estavam estudando a natureza das alterações químicas que ocorrem quando um laser é aplicado sobre metais como a platina. Eles decidiram colocar um chip de silício em uma câmera de vácuo, adicionar um gás halogenado e aplicar sobre o chip pulsos de laser ultra-rápidos e ultra-intensos.
Cada pulso de laser não dura mais do que 100 milionésimos de bilionésimos de segundo. Entretanto, a energia de um único pulso é equivalente a se focar toda a luz do Sol que chega à Terra em um espaço de cerca de um centímetro quadrado. Após mais de 500 pulsos, o silício, que é cinza, tornou-se negro. Mas, em vez de se queimar, a superfície ficou coberta por uma infinidade de picos pontiagudos, uma verdadeira floresta de agulhas.
O mais interessante é o comportamento dessa floresta de agulhas. Quando a luz incide sobre essa superfície, a luz se reflete continuamente entre os picos, indo e vindo entre cada um deles, de forma tão intrincada que praticamente não há nenhuma reflexão de volta. Ou seja, a luz entra mas não sai da floresta de agulhas. Daí o nome do novo material, silício negro, porque praticamente nenhum luz escapa dele.
O Dr. Mazur e sua equipe rapidamente se deram conta de que um material que absorve a luz de tal forma poderá se tornar uma excelente célula solar, convertendo muito mais luz do Sol em eletricidade do que qualquer outro equipamento hoje disponível.
A floresta de agulhas do silício negro também absorve calor, na forma de radiação infravermelha, tornando-o um excelente detector de poluição, vapor d'água e outros líquidos que alteram a qualidade do ar e influenciam o clima global.
Há ainda a possibilidade de que o silício negro possa ser utilizado para a construção de computadores extremamente finos e outros dispositivos eletrônicos, por exemplo, para inserção de medicamentos através da pele.
"Além de, por um feliz acaso, estarmos fazendo algo maravilhoso e inesperado, nós estamos sendo bombardeados com consultas de empresas acerca de suas muitas aplicações práticas," disse Mazur.
Momento Mágico
Durante a experiência, o Dr. Mazur e os estudantes de graduação Claudia Wu e Tsing-Hua Her estavam tentando capturar o que é chamado de momento mágico em ciência. Eles queriam observar o nascimento de uma nova molécula na superfície de um metal atingido por um intenso feixe de luz. Muitas dessas reações são importantes e de interesse tanto para a indústria quanto para quem se preocupa como o monitoramento do meio-ambiente.
"Quando, ao contrário, nós criamos um chip de silício tão negro quanto fuligem, nós nos perguntamos, 'O que é isto?'," conta Mazur. "Olhando em sua superfície com um microscópio eletrônico, nós vimos uma perfeita floresta de agulhas, regular em tamanho e espaçamento." As agulhas medem cerca de dois centésimos de polegada na base, chegando a pontas extremamente finas, de cerca de um centésimo da dimensão de um fio de cabelo humano.
"Para alcançar esse padrão é essencial que os pulsos de laser sejam muito curtos e intensos," explica Mazur. "Também o tipo de gás que envolve o silício é crítico." Gases halogenados como cloro ou hexafluoreto de enxofre funcionam bem, mas as agulhas não se formam com nitrogênio ou hélio. Isto sugere que o padrão de agulhas é formado por reações químicas - ativadas pela luz - entre o gás e o silício.
O silício normal, que é cinza, absorve cerca de 60 por cento da luz que incidir sobre sua superfície, refletindo o restante de volta para o ar. Tratada corretamente, o silício negro absorve entre 96 e 98 por cento da luz que a atinge.
Células solares comerciais, normalmente feitas de silício, as chamadas células fotovoltaicas, têm cerca de 30 por cento de eficiência na conversão de luz solar em energia elétrica. O recorde pertence ao National Renewable Energy Laboratory (Estados Unidos) e chega a 32,3%. Uma instalação solar típica para uma casa (nos Estados Unidos) custa entre U$15.000,00 e US$20.000,00. Este preço deverá cair para cerca de US$6.000,00, tornando-se competitiva com soluções de aquecimento baseadas em óleo ou gás natural.
Comunicação pela luz
Outra potencial aplicação do silício negro envolve a telecomunicação pela luz ao longo de fibras óticas. O silício comum não absorve luz em comprimentos de onda, de 1 a 2 micra, críticos para tais comunicações. O silício negro absorve.
"Sendo capaz de utilizar um material que é barato e abundante e que a indústria já aprendeu como processar, oferece uma tremenda oportunidade em um mercado de bilhões de dólares," comenta Mazur.
Monitoramento do meio-ambiente
O silício negro também absorve luz na faixa do infravermelho, importante para o monitoramento do meio-ambiente. A NASA está especialmente interessada em materiais que possam ser utilizados para detectar a quantidade de calor absorvido por qualquer coisa na atmosfera, de nuvens a minúsculas partículas de fuligem e poeira.
Outras aplicações
Aplicações, mais especulativas, mas teoricamente possíveis, já estão sendo consideradas pelo pesquisador, que já está patenteando o método de produção do silício negro.
O novo material pode ser também utilizado para emitir luz. As pontas extremamente finas de suas agulhas podem criar linhas extremamente finas em formatos cuidadosamente definidos. Sua utilização em telas, como as de TV e computadores, poderão levar a dispositivos extremamente eficientes em termos de consumo de energia.
Também, as agulhas, muito mais finas do que qualquer outra agulha disponível comercialmente, poderão fornecer um meio adequado para a inserção contínua de medicamentos através da pele humana. O corpo se adapta melhor a pequenas doses de drogas do que a quantidade grandes injetadas através das tradicionais seringas.