Agostinho Rosa - 29/04/2002
A história da ciência relata uma série de descobertas "por acaso". É claro que "por acaso" é um conceito um tanto forçado, uma vez que a pesquisa científica envolve sempre a busca do saber. Aonde se chega tem sempre importância, mas chega-se devido a passos dados com a convicção de que há muito o que se descobrir. É um acaso muito diferente do de se tropeçar em uma pepita de ouro ou mesmo ganhar na loteria. Há discussões quase religiosas acerca de se chamar de acaso a verificação de uma descoberta ou aplicabilidade de um material que, por assim dizer, ficou sobre a bancada do laboratório por não ser o foco do momento.
O diboreto de magnésio é um composto largamente conhecido e, a rigor, estava mais para a prateleira do que para a bancada de pesquisas, no sentido de que não era foco de trabalhos que chamassem a atenção. O composto pode ser produzido facilmente pelo aquecimento a 950º C de boro e magnésio em pó, a pressões não muito altas. A estrutura do material é simples, com átomos de magnésio no centro de um conjunto de átomos de boro. Os átomos de magnésio cedem seus dois elétrons de valência, formando uma rede covalente de átomos de boro. Algo muito próximo ao que se poderia chamar de "boro metálico", mas ainda assim, um composto intermetálico. Medições bastante precisas dessa estrutura foram recentemente feitas por Larry Boyer. Essas medições descrevem o diboreto de magnésio como algo muito próximo ao procurado hidrogênio metálico. O hidrogênio metálico é a Meca de todos que labutam na área da supercondutividade.
A supercondutividade chamou muito a atenção do grande público em anos recentes. Os resultados obtidos próximo do zero absoluto davam, entretanto, uma idéia do tempo que ainda se levará para chegar a aplicações práticas. O fenômeno consiste basicamente na perda de resistência à passagem de corrente elétrica verificada em certos metais quando submetidos a temperaturas muito baixas. Georg Bednorz e Alex Müller ganharam um Prêmio Nobel pelas suas descobertas, da supercondutividade em compostos de cobre, em pesquisas feitas em 1986.
As pesquisas continuam em vários laboratórios ao redor do mundo. Em 2001, a descoberta do fenômeno da supercondutividade em moléculas de carbono-60 chamou novamente a atenção para essas pesquisas. Num paralelo com o mundo dos esportes, os trabalhos continuam em ritmo de quebra de recordes: muito esforço deve ser feito para que se consiga pequenos avanços. No mundo da supercondutividade, os avanços são medidos em termos da temperatura na qual se consegue observar o fenômeno. Novos compostos e materiais são pesquisados e são considerados mais eficientes na medida em apresentam a supercondutividade a temperaturas mais altas do que as anteriores. Essa temperatura é chamada pelos cientistas de Tc, ou temperatura de transição. É aquela na qual o material estudado muda seu comportamento, perdendo a resistência à condução de elétrons e passando de condutor comum para supercondutor.
O recorde histórico, quase imbatível, era da liga nióbio-germânio, com 23,2º K, atingida na década de 1970. Em 1994, o recorde foi batido, mas por um material considerado complexo demais, exótico até mesmo nos círculos científicos: o carbeto de ítrio-paládio-boro. A nova marca: 23º K. Um quinto de grau em vinte anos.
Com esses dados é possível agora dimensionar o avanço representado pela descoberta, quase "por acaso", da supercondutividade no diboreto de magnésio. Em primeiro lugar, o MgB2 é um composto simples, produzido em grandes quantidades. Ele não tem nada de exótico e é fácil de se produzir. Mas o espanto maior, foi causado quando o cientista japonês Jun Akimitsu, da Universidade de Tóquio, anunciou que o simplório MgB2 apresentou supercondutividade a 40º K. Isso é quase o dobro do recorde anterior. É como se, de repente, um corredor completasse os cem metros rasos em cinco segundos.
A descoberta provocou uma corrida aos laboratórios. Cientistas do mundo todo correram às prateleiras de seus laboratórios: "Onde foi que eu deixei aquele vidrinho de diboreto de magnésio? Deve estar aqui em algum lugar."
Muitos deles encontraram os seus vidrinhos e confirmaram a experiência, agora publicada na Nature. O servidor de arquivos do laboratório Los Alamos, uma espécie de central onde todos os cientistas divulgam suas descobertas, valendo inclusive em termos de definir quem descobriu primeiro alguma coisa, recebeu mais de cinqüenta trabalhos sobre MgB2 no mês seguinte ao do anúncio da descoberta.
Agora, todos trabalham na definição correta e precisa das propriedades do material e buscam formas mais eficientes para seu processamento. Eventualmente, até mesmo alguma aplicação poderá ser descoberta. A experiência do Dr. Akimitsu foi feita a partir de diboreto de magnésio comum. Os trabalhos concentram-se agora no crescimento de cristais simples e de extrema pureza, com os quais espera-se conseguir resultados mais precisos. E, obviamente, quebrar-se novamente o recorde.