Trudy E. Bell - Science@NASA - 07/11/2006
No épico Duna, de Frank Herbert, que se desenrola no fictício planeta Arrakis, em outro sistema solar, a água é tão preciosa que até mesmo a transpiração e a umidade do hálito são capturados e purificados para poderem ser novamente bebidos.
Nas viagens reais para a Lua e Marte, os fatos científicos poderão acabar imitando a ficção científica. De fato, cientistas e engenheiros do Centro Espacial Marshall, da NASA, estão dando os toques finais em um sistema de captura do dióxido de carbono exalado e da urina para transformá-los em oxigênio respirável e água potável.
Um planeta deserto coberto por dunas em nosso próprio sistema solar. |
"As primeiras missões espaciais - Mercury, Gemini e Apollo - levavam consigo toda a água e oxigênio que precisavam e descartavam dejetos líquidos e gasosos no espaço," explica o engenheiro Robert Bagdigian. Para resumir, os sistemas de suporte à vida dos astronautas eram de "circuito aberto" - significando que eles dependiam de ressuprimentos da Terra, algo que permanece verdadeiro hoje, na Estação Espacial Internacional.
Mas, para qualquer missão de longa duração para a Lua e Marte, "faz sentido fechar o loop - ou seja, reciclar os rejeitos de ar e água ao invés de simplesmente descartá-los. Brevemente a Estação Espacial Internacional estará testando exatamente um sistema regenerativo desse tipo.
O nome do projeto é Sistema de Suporte à Vida e Controle Ambiental - mais conhecido por sua sigla em inglês ECLSS ("Environmental Control and Life Support Systems"). Bagdigian é o gerente do projeto ECLSS.
"Os russos estão à nossa frente," diz Robyn Carrasquillo, engenheiro-chefe do ECLSS. "As espaçonaves originais Salyut e Mir eram capazes de condensar a umidade diretamente do ar e utilizar a eletrólise - uma corrente elétrica passando através da água - para produzir oxigênio respirável." O novo sistema regenerativo ECLSS da NASA, que deverá ser enviado à Estação Espacial Internacional em 2008, vai além: "ele consegue recuperar urina, além da umidade."
A recuperação da urina é um desafio de engenharia: "A urina é muito mais impura do que a umidade normal," explica Carrasquillo. "Ela pode corroer equipamentos e obstruir mangueiras." O ECLSS utiliza um processo de purificação chamado destilação por compressão de vapor: a urina é fervida até que a água se transforme em vapor. O vapor - essencialmente vapor de água limpa exceto por alguns traços de amônia e outros gases - sobe até uma câmara de destilação, deixando para trás uma sopa cinza de impurezas e sais que Carrasquillo bondosamente chama de "salmoura" (que é descartada).
O vapor é resfriado e se condensa novamente em líquido. O vapor destilado é então misturado com a umidade condensada e esta água é mais uma vez purificada para se tornar potável. O ECLSS consegue recuperar 100% da umidade do ar e 85% da água na urina, resultando em uma eficiência de recuperação total de cerca de 93%.
Degrau para as estrelas. Sistema regenerativo ECLSS fará teste de campo a bordo da Estação Espacial Internacional. |
É assim que a coisa funciona na Terra. No espaço, há um desafio adicional: "O vapor não sobe." A flutuabilidade requer gravidade e, na microgravidade da espaçonave, o vapor simplesmente "fica lá quieto." Ele não sobe naturalmente na câmara de destilação. Assim, na versão do ECLSS que está sendo construído para a Estação Espacial Internacional, "nós giramos o sistema de destilação inteiro para criar gravidade artificial para separar o vapor da salmoura," diz Carrasquillo.
Além disso, na microgravidade os cabelos e células da pele humanos, e outras impurezas, flutuam no ar, ao invés de cair no piso. Desta forma, o processador precisa de um incrível sistema de filtragem. Quando a água limpa emerge do outro lado, ela recebe iodo destinado a retardar o crescimento de bactérias (o cloro, usado para purificar a água na Terra, é muito reativo e perigoso para ser armazenado e manuseado no espaço).
O sistema ECLSS |
O sistema ECLSS
O sistema de recuperação de água para a Estação Espacial Internacional, pesando cerca de uma tonelada e meia, irá "produzir cerca de dois litros de água por hora, mais do que a necessidade dos três tripulantes atuais," diz Carrasquillo. "Isto irá permitir que a estação espacial atenda a um total de seis astronautas continuamente." O sistema foi projetado para produzir água potável "atendendo a padrões de pureza superiores aos da maioria dos sistemas de água municipais da superfície," diz Bagdigian.
Além de fornecer água potável para a tripulação, o sistema de reciclagem de água irá fornecer água para a outra metade do ECLSS: o sistema de geração de oxigênio (OGS: "Oxygen Generation System"). O OGS funciona por eletrólise. Ele quebra as moléculas de água em oxigênio para respiração e hidrogênio, que será expelido para fora da estação. "O circuito de ar exige água super limpa, de forma que as células de eletrólise não sejam contaminadas e obstruídas," destaca Bagdigian.
"A reciclagem é muito mais custo-efetiva do que ressuprir a estação com água da Terra," diz Carrasquillo, especialmente depois que os ônibus espaciais forem aposentados em 2010.
Reciclar até 93% da água servida é impressionante. Mas, para missões de meses ou anos para a Lua ou Marte, uma versão futura do ECLSS deverá chegar perto dos 100% de eficiência.
Então, os astronautas poderão estar prontos para sobreviver nas versões do planeta Duna do nosso próprio sistema solar.