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Espaço

Espaçonaves poderão ser feitas do mesmo plástico que os sacos de lixo

Patrick L. Barry - Science@NASA - 02/09/2005


Depois de ler este artigo, você nunca mais olhará para os sacos de lixo da mesma forma. Todos nós usamos sacos plásticos de lixo; eles são tão comuns que dificilmente lhes dirigimos um segundo olhar. Mas quem poderia imaginar que um reles saco plástico pudesse conter a chave para se enviar seres humanos a Marte?

Espaçonaves poderão ser feitas do mesmo plástico que os sacos de lixo
Conceito artístico de uma jornada humana a Marte.

A maioria dos sacos plásticos de lixo doméstico são feito de um polímero chamado polietileno. Variantes dessa molécula se mostraram excelentes na proteção das mais perigosas formas de radiação espacial. Os cientistas já sabiam disso há muito tempo. O problema era justamente construir uma espaçonave com algo tão frágil.

Mas agora cientistas da NASA inventaram um novo material inovador, baseado no polietileno, chamado RXF1, que é mais resistente e mais leve do que o alumínio. "Este novo material é único, no sentido de que ele combina propriedades estruturais excelentes com elevadas propriedades de proteção," explica Nasser Barghouty, cientista chefe do Projeto Escudo de Radiação, do Centro de Vôos Espaciais Marshall.

Ir a Marte em uma espaçonave de plástico? Tão estúpido quanto possa parecer, esta pode ser a maneira mais segura de se fazer esta viagem espacial.

Menos é mais

Proteger os astronautas da radiação do espaço profundo é um sério problema ainda não resolvido. Considere uma missão tripulada a Marte: a viagem toda pode durar até 30 meses e irá exigir que se deixe a bolha protetora do campo magnético da Terra. Alguns cientistas acreditam que materiais como o alumínio, que oferecem uma proteção adequada na órbita da Terra ou para curtas viagens até a Lua, poderão ser inadequados para uma viagem a Marte.

Barghouty é um desses céticos: "Ir a Marte hoje com uma espaçonave de alumínio é algo impraticável," acredita ele.

Espaçonaves poderão ser feitas do mesmo plástico que os sacos de lixo
Raios cósmicos chocam-se com matéria, produzindo partículas secundárias.

O plástico é uma alternativa interessante: comparado com o alumínio, o polietileno é 50% mais eficiente para se proteger de tempestades solares e 15% melhor contra os raios cósmicos.

As vantagens dos materiais plásticos é que eles produzem muito menos "radiação secundária" do que os materiais mais pesados, como o alumínio ou o chumbo. A radiação secundária surge do próprio material de proteção. Quando partículas da radiação espacial se chocam com os átomos no interior do escudo, eles iniciam minúsculas reações nucleares. Essas reações produzem um chuveiro de subprodutos nucleares - nêutrons e outras partículas - que adentram à espaçonave. É mais ou menos como tentar proteger você mesmo de uma bola de boliche erguendo uma parede de pinos. Você evita a bola, mas é atingido pelos pinos. "Secundários" podem ser piores para a saúde dos astronautas do que a própria radiação espacial!

Ironicamente, elementos mais pesados, como o chumbo, que as pessoas geralmente consideram ser a melhor proteção possível contra radiação, produzem muito mais radiação secundária do que elementos leves, como o carbono e o hidrogênio. É por isto que o polietileno oferece um bom nível de proteção: ele é composto inteiramente dos levíssimos átomos de carbono e hidrogênio, que minimizam os secundários.

Espaçonaves poderão ser feitas do mesmo plástico que os sacos de lixo
Etileno, o elemento básico do polietileno, é rico em hidrogênio e carbono.

Esses elementos leves não conseguem barrar completamente a radiação espacial. Mas eles podem fragmentar as partículas de radiação que chegam, reduzindo enormemente seus efeitos nocivos. Imagine esconder-se detrás de uma fina tela em uma brincadeira de atirar bolas de neve: você continuará sendo atingido pela neve, mas sentirá apenas minúsculos pedaços, que se esfacelam ao passar pela tela, e não um bordoada direta de uma pelota compacta. O polietileno funciona como a tela.

"É isto que nós podemos fazer. Fragmentar - sem produzir uma grande quantidade de radiação secundária - é realmente onde a batalha é ganha ou perdida," diz Barghouty.

Feito sob encomenda

Apesar de seu poder protetor, os sacos de lixo comuns obviamente não podem ser usados para se construir uma espaçonave. Assim, Barghouty e seus colegas trabalham para preparar o polietileno para funcionar no espaço.

Foi assim que o pesquisador Raj Kaul, trabalhando juntamente com Barghouty, inventou o RXF1. O RXF1 é incrivelmente forte e leve: ele tem 3 vezes a resistência à tração do alumínio, mesmo sendo 2,6 vezes mais leve - impressionante mesmo para os padrões aeroespaciais.

Espaçonaves poderão ser feitas do mesmo plástico que os sacos de lixo
Raj Kaul, co-inventor do RXF1, segurando um pedaço do material.

"Como ele é um escudo balístico, ele também deflete micrometeoritos," explica Kaul, que havia trabalhado com materiais similares desenvolvendo blindagens para helicópteros. "Como é um tecido, ele pode ser cortado seguindo moldes e desenhado em formatos específicos para os componentes da espaçonave." E como ele é derivado do polietileno, ele é também um excelente escudo contra a radiação.

A forma como o RXF1 é feito é um segredo, já que a patente do material ainda está pendente.

A resistência é apenas uma das características que as paredes de uma espaçonave deve ter, ressalta Barghouty. A flamabilidade e a tolerância à temperatura também são importantes: não importa o quanto as paredes de uma espaçonave sejam fortes se elas se fundirem sob a ação da luz do Sol ou se pegarem fogo facilmente. O polietileno puro é altamente inflamável. Será necessário muita pesquisa para melhorar o RXF1 ainda mais e torná-lo resistente também à temperatura e ao fogo, disse Barghouty.

A questão fundamental

A grande questão, é claro, é elementar: o RXF1 consegue levar humanos com segurança à Marte? Nesse ponto da pesquisa, ninguém pode ter certeza.

Alguns "raios cósmicos galáticos têm tanta energia que nenhuma quantidade razoável de proteção consegue detê-los," alerta Frank Cucinotta, chefe do laboratório Radiation Health, da NASA. "Todos os materiais têm esse problema, incluindo o polietileno."

Cucinotta e seus colegas fizeram simulações em computador para comparar o risco de se contrair câncer em uma viagem a Marte em uma espaçonave de alumínio versus uma nave de polietileno. De forma surpreendente, "não há diferença significativa," diz ele. Esta conclusão depende de um modelo biológico que estima como os tecidos humanos são afetados pela radiação espacial - e aqui reside o embaraço. Depois de décadas de vôos espaciais, os cientistas ainda não entendem totalmente como o corpo humano reage aos raios cósmicos. Se o seu modelo estiver correto, entretanto, pode haver pouco benefício prático na proteção extra oferecida pelo polietileno. Esta é uma matéria para pesquisas futuras.

Devido às incertezas, as doses-limite para os astronautas em uma missão a Marte ainda não foram estabelecidas, lembra Barghouty. Mas, assumindo que estas doses sejam similares às estabelecidas para os vôos dos ônibus espaciais e à Estação Espacial Internacional, ele acredita que o RXF1 poderá hipoteticamente oferecer uma proteção adequada para uma missão de 30 meses a Marte.

Hoje, para o lixo. Amanhã, para as estrelas? O polietileno poderá levar você mais longe do que você possa sequer ter imaginado.

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