Redação do Site Inovação Tecnológica - 25/07/2002
Navio de Darwin
Em 1831, Charles Darwin embarcou no HMS Beagle, rumo a uma terra distante, descrita, como "desolada, deprimente, estéril e repulsiva".
Mas o Beagle 2 parte para uma região muito mais inóspita do que a Terra do Fogo, destino do então ainda não tão famoso naturalista.
O Beagle 2 será o explorador de Marte, a bordo da missão "Mars Express" da Agência Espacial Européia, que deverá partir para o planeta vermelho em Junho de 2003.
O nome é uma homenagem ao navio da viagem que levou Darwin e permitiu o surgimento do "A origem das espécies", talvez o mais famoso livro científico de todos os tempos.
Fósseis marcianos
O interesse concreto por Marte começou na década de 1970, quando a NASA assumiu a nem um pouco original questão: "Haveria vida em Marte?".
Os experimentos da Viking não demonstraram nenhum sinal de atividade biológica ou mesmo reações químicas. Mas o assunto ganhou força quando se descobriu que havia, na Terra, meteoritos originados em Marte.
O ALH 84001 gerou sensação em Agosto de 1.996, ao mostrar uma estrutura de 100 nanômetros que poderia ser um fóssil.
Mas a existência de registros fósseis extraterrenos em meteoritos localizados na Terra é controversa, uma vez que não há como garantir que os registros fósseis não foram introduzidos após a entrada do meteorito na atmosfera terrestre.
Beagle 2
Com esse histórico, o propósito do Beagle 2 não poderia ser outro que não a busca por sinais de vida.
A partir de Dezembro de 2003, quando o Beagle deverá atingir o solo marciano, iniciar-se-á uma série de experiências que resultarão no mais longo e mais consistente estudo de ambientes extraterrenos.
Fósseis, obviamente, serão muito bem vindos. Mas outras evidências mais sutis estão na mira do Beagle. Todos os seres viventes, pelos menos os que conhecemos, deixam evidências de sua existência na forma de compostos orgânicos ou fósseis químicos.
Isso significa que não é necessário encontrar o fóssil de um animal ou planta, como os que são vistos em museus, para se constatar a ocorrência de vida, mesmo em passados remotos. Os meteoritos marcianos até agora encontrados na Terra, por exemplo, apresentam sinais de matéria orgânica acompanhados de carbonatos.
Expresso marciano
A Mars Express continuará em órbita após ter enviado o Beagle para a superfície.
Ela será o centro de comunicações, que servirá como base para o envio de informações para a Terra, não somente do Beagle, mas podendo atuar também nas próximas missões da Agência Espacial Européia, tendo uma vida útil até 2007.
Em vez de pequenos robôs com vida útil bastante curta, o projeto europeu planeja construir um rede de informações geofísicas em Marte, com um tempo longo de operação.
O próprio Beagle não poderá se comunicar diretamente com a Terra. Ele deverá enviar seus dados para a Mars Express, que permanecerá em órbita.
Devido à órbita baixa da nave-mãe, isso significa que as transmissões deverão ser feitas durante poucos minutos, a cada passagem da Mars Express sobre a área de pouso do Beagle. Em caso de problema nas comunicações, a nave Odyssey, da NASA, será utilizada como rota alternativa para as comunicações.
Pouso alcochoado
O Beagle 2 será ejetado da Mars Express, chegando ao solo com a ajuda de paraquedas e envolta em balões infláveis.
O local escolhido mostra sinais claros de ação da água, que deve ter coberto a superfície do planeta entre 1,3 bilhão e 600 mil anos atrás. Os cientistas acreditam que as chances de encontrar traços indicativos de vida são maiores onde se percebe a ocorrência passada de água na superfície.
Embora não admitam diretamente, o funcionamento do equipamento após a aterrissagem é grandemente dependente da torcida dos engenheiros.
Isto porque, embora dotado da mais moderna tecnologia, o Beagle 2 deve ser o mais leve possível, para que o foguete consiga levá-lo até Marte. O equipamento todo pesa cerca de 30 quilos.
Molusco robótico
Infelizmente, nem sempre é possível compor-se adequadamente um equilíbrio entre leveza e resistência.
Por isso foi escolhido um formato de molusco para o Darwin robótico. As conchas externas protegerão os equipamentos durante a aterrissagem, além de manterem os equipamentos a salvo do calor do dia e do frio congelante da noite marciana.
Também devido à necessidade de manter o baixo peso, o Beagle 2 não terá circuitos eletrônicos duplicados e todas as conexões foram projetadas para terem o menor comprimento possível.
Uma concha interna, servindo como proteção adicional, é feita com fibras de carbono servindo de pele para uma estrutura de alumínio em formato de colméia. A tampa e base são unidas por uma dobradiça, capaz de abrir qualquer que seja a posição do Beagle.
Após a aterrissagem, cinco painéis solares, totalizando cerca de um metro quadrado, serão abertos. As células solares que formam os painéis são de arseneto de gálio sobre um substrato de germânio, tudo recoberto por uma camada de vidro de 80 micrômeros. Isso é o que há de mais moderno e eficiente em conversão de energia solar. Estes painéis recarregarão as 42 baterias de íons de lítio durante o dia,'tornando o Beagle capaz de conduzir experimentos também durante a noite.
Como a noite em Marte pode significar temperaturas menores do que 70o C, todos os experimentos que liberam calor serão feitos à noite, como forma de auxiliar na manutenção da temperatura de todo o Beagle dentro da faixa operacional dos componentes eletrônicos. Mesmo as baterias possuem um sistema captador de calor, que se aqueece durante o dia, e evita que elas se descarreguem rapidamente durante a noite.
Braço robótico
Um braço robótico se encarregará de pegar cada um dos instrumentos científicos a bordo do Beagle e colocá-los sobre o solo, onde eles poderão desempenhar suas tarefas.
Mas ele também será responsável por pegar amostras do solo e trazê-las para o interior do laboratório. Conectadas ao braço robótico estão câmeras de vídeo, tanto para captura de imagens do ambiente, quanto para monitoramento de todos os experimentos.
Um dos equipamentos mais interessantes que serão acionados pelo braço robótico será um trado elétrico, para perfuração do solo e coleta de amostras de até 3 metros de profundidade.
A análise subsolo é importante para que se possa conhecer elementos que podem ter sido destruídos na superfície pela ação da rigorosa atmosfera do planeta.
Chamado de PLUTO (PLanetary Undersurface TOol), o trado é capaz de perfurar a uma velocidade de 1 centímetro a cada 6 segundos. Quando atinge a profundidade desejada, a ponta se abre e coleta a amostra.
Embora sendo capaz de atingir até três metros de profundidade, os cientistas ainda discutem a capacidade real a ser dada ao PLUTO, uma vez que tudo dependerá da quantidade de cabo necessário para alimentá-lo. E, numa missão espacial a Marte, cada grama de massa é importante e disputada por vários equipamentos.
Após dois fracassos, em que as naves foram perdidas, a NASA também prossegue com seus planos para explorar Marte. O projeto norte-americano prevê a alternância entre naves cujas explorações são feitas a partir da órbita e outras que trabalharão na superfície. A Odyssey está a caminho da órbita de Marte. Alguns dias após o lançamento da européia Mars Express, o jipe Athena estará a caminho.