Agência FAPESP - 03/08/2007
O paciente, cuja identidade não foi revelada, é um norte-americano de 38 anos, que, após ter sido vítima de agressão, estava no que se chama de estado de consciência mínima. Sua única forma de comunicação, inconsistente, resumia-se a eventuais movimentos com os dedos ou com os olhos. Após seis anos nesse estado, o paciente deixou de precisar se alimentar por meio de tubos e recuperou a capacidade de se expressar verbalmente.
Implante de eletrodos
A causa de tamanha e extremamente rara recuperação de uma lesão cerebral traumática se deve ao sucesso inédito - e que está sendo considerado revolucionário - de um procedimento conhecido como estimulação cerebral profunda (ECP). A cirurgia envolve o implante de eletrodos para promover impulsos elétricos em determinadas regiões cerebrais.
Os médicos responsáveis pelo procedimento, liderados por Ali Rezai, da Fundação Clínica de Cleveland, usaram a ECP para induzir funções dentro das redes cerebrais residuais e ainda funcionais. Segundo os pesquisadores, se os resultados forem replicados em outros casos, poderão mudar os padrões de cuidado desses pacientes crônicos, que passarão a contar com a possibilidade de tratamentos e acompanhamentos clínicos reabilitativos.
De volta à vida
Os estudos que levaram ao sucesso do procedimento cirúrgico contaram com a participação de pesquisadores de diversas instituições nos Estados Unidos e vêm sendo conduzidos há quase dez anos. O conceito original do trabalho foi desenvolvido pelo neurocientista Nicholas Schiff, da Faculdade Médica Weill Cornell, que também assina o artigo agora publicado.
"O paciente usa palavras e gestos e responde rapidamente a questões. Ele consegue mastigar e engolir e não precisa mais se alimentar por tubo. Ele pode realizar alguns movimentos complexos, como aqueles necessários para beber de um copo ou escovar os cabelos. Anos de imobilidade severa e contrações nos tendões, entretanto, limitam a realização de tarefas", disse Joseph Giacino, diretor de neuropsicologia do Instituto de Reabilitação JFK, também autor do artigo.
Cirurgia automatizada
A cirurgia exigiu precisão milimétrica e foi conduzida com a ajuda de mapas fisiológicos produzidos por computadores e por um sistema de navegação por imagem. Minúsculos eletrodos foram implantados nas estruturas cerebrais profundas e conectados a baterias de um marca-passo.
A operação, complicada pelos danos extensos no cérebro do paciente, foi feita em duas etapas, em um total de dez horas. A cirurgia de ECP é empregada geralmente em pacientes com doença de Parkinson, mas estudos recentes têm experimentado o procedimento em outros casos, como de epilepsia ou depressão.
"A atividade dentro das redes neurais integradas é apoiada por células de uma área central do cérebro chamada de tálamo, que achamos ser a chave para o ajuste das atividades cerebrais em resposta a demandas cognitivas", disse Schiff.
Amplificador no cérebro
"Nossa teoria era que impulsos elétricos direcionados para essa área ajudariam a amplificar níveis reduzidos de atividades que consideramos que estariam presentes. Em outras palavras, achávamos que os sinais que ajudam a direcionar a fala e os movimentos ainda estivessem presentes no cérebro. Só queríamos estimular sua eficiência e funcionalidade, auxiliando-os a trabalhar melhor", completou Giacino.
Apesar do sucesso até o momento, os pesquisadores não sabem dizer se o paciente continuará a recuperar movimentos, a capacidade de comunicação e outras funções. Mas, segundo eles, a plasticidade inerente ao cérebro implica que o paciente poderá usar os ganhos já obtidos para evoluir em sua recuperação.
"As mudanças nas capacidades funcionais estão estatisticamente relacionadas ao uso do ECP, e elas têm sido extraordinárias e sustentadas. Esperamos que esse primeiro uso do ECP para tratar de pacientes em estado de consciência mínima marque o início de um período de inovação em nossa abordagem de lesões cerebrais traumáticas", disse Rezai.