Science@Berkeley Lab - 07/07/2006
Uma equipe de pesquisadores dos Laboratórios Berkeley e da Universidade de Cornell, ambos nos Estados Unidos, liderados por Wladek Walukiewicz, conseguiram sintetizar uma forma do semicondutor nitreto de índio que é capaz de conduzir cargas positivas. Para qualquer outro semicondutor a notícia não seria digna de nota. Mas o nitreto de índio é um dos mais promissores entre os materiais semicondutores.
A "bandgap" estreita do nitreto de índio (InN) corresponde ao infravermelho, na porção final do espectro solar; a "bandgap" larga do nitreto de gálio corresponde à extremidade do ultravioleta. Ligas desses dois compostos podem ser combinadas para se fazer uma célula solar de espectro total. |
Em 2002, Walukiewicz e seus colegas descobriram que o nitreto de índio (InN) tem uma "bandgap" muito estreita, de apenas 0,7 elétron-volts, o que corresponde à região do infravermelho próximo no espectro eletromagnético. Uma "bandgap" estreita significa que o nitreto de índio pode ter aplicações em diodos emissores de luz altamente eficientes, diodos laser e transistores de alta freqüência.
Ainda mais promissor quando compondo uma liga com o nitreto de gálio (GaN), outro nitreto do grupo III (grupo da tabela periódica cujos elementos têm três elétrons de valência, incluindo o alumínio, o gálio, o índio e outros), o nitreto de índio abre a possibilidade de se fazer células solares extraordinárias.
O nitreto de gálio tem uma "bandgap" de 3,4 elétron-volts, equivalente à alta energia da região do ultravioleta-próximo no espectro. Finas camadas de índio, gálio e nitrogênio, compondo ligas em diferentes proporções podem ser superpostas em uma célula solar que deverá cobrir virtualmente todo o espectro da luz do Sol, resultando em uma célula solar muitíssimo mais eficiente do que qualquer uma que já tenha sido construída.
Quando os elétrons se põem no caminho
O que torna o nitreto de índio decepcionante, entretanto, é que a maioria dos componentes semicondutores exige dois tipos do material para formar uma junção, um tipo "n", que conduz os negativamente carregados elétrons, e um tipo "p", que conduz as positivamente carregadas lacunas. Esses tipos são normalmente feitos dopando-se o material nativo com impurezas, sejam elas elementos que doam elétrons ou elementos que recebem elétrons e deixam lacunas para trás.
É bem simples fazer um nitreto de índio do tipo "n" - mesmo nativo, sem dopagem, o InN é do tipo "n" - mas se provou praticamente impossível fazê-lo no tipo "p". Até agora.
"O nitreto de índio é único; ele gosta de ser do tipo 'n'," diz Walukiewicz, principalmente porque sua estrutura eletrônica peculiar exige uma quantidade anormalmente grande de energia para se retirar os elétrons de sua banda de condução e abrir caminho para a lacunas.
A razão para isso é que os cristais de nitreto de índio são repletos de defeitos, chegando a dezenas de bilhões por centímetro quadrado. Grandes quantidades de átomos nesses defeitos são incapazes de formar ligações com seus vizinhos ausentes, e como o nível de energia desses defeitos está situado exatamente no meio da banda de condução do InN - justamente o que torna o InN único - essas ligações incompletas têm tudo, menos interesse em doar elétrons excedentes para a banda de condução.
Uma "bandgap" não é um espaço físico; ela é a quantidade de energia exigida para empurrar um elétron da lotada camada de valência do material, o nível mais alto de energia, no qual a corrente não pode fluir, em direção à sua vazia camada de condução. A energia média das ligações incompletas que permeiam a superfície e o interior do nitreto de índio equivale à sua banda de condução, de forma que o nitreto de índio sempre tem um acúmulo de elétrons próximo à sua superfície, o que o torna naturalmente do tipo "n". |
Além disso, explica o cientista Joel Ager, "Ligações pendentes são encontradas sobre a superfície do nitreto de índio, onde elas criam uma camada de acumulação de tipo 'n', impenetrável por qualquer tratamento químico ou físico."
O resultado, explica Kin Man Yu, outro membro da equipe, "é que você não consegue fazer um contato elétrico com o interior do material, abaixo da superfície. Mesmo se o interior for do tipo 'p', você não pode alcancá-lo porque você não consegue passar a camada superficial de tipo 'n'."
"A superfície do InN é por definição um semicondutor de tipo 'n' altamente condutor. Você não consegue atravessá-la afinando-a ou removendo-a; a camada de tipo 'n' simplesmente se reconstrói assim que se cria uma nova superfície," acrescenta Walukiewicz.
Alcançando o interior.
No entanto, pode ser possível dopar positivamente o InN com um elemento receptor. O magnésio tem um elétron de valência a menos do que o índio e aceita elétrons prontamente, deixando para trás lacunas positivamente carregadas; como único receptor que funciona bem no nitreto de gálio, o magnésio pode também ser o único que funciona com o InN.
Utilizando epitaxia por feixe molecular, William Schaff e seus colegas da Universidade de Cornell fizeram várias amostras de nitreto de índio dopado com magnésio e as enviaram para os Laboratórios Berkeley, onde os pesquisadores utilizaram uma espécie de espectrometria de massa para medir a concentração de magnésio nessas amostras.
"Nós sabíamos a concentração," diz Yu, "mas nós realmente não sabíamos onde ela estava e o que estava fazendo." O desafio era provar que os átomos de magnésio haviam criado material de tipo 'p' no interior do InN, ainda que a carga estivesse mascarada pela camada de acumulação negativa da superfície.
"Um método comum de se medir cargas em um semicondutor é acompanhando como a capacitância muda reagindo a mudanças na tensão - ela muda de uma forma no material de tipo 'n' e de outra forma no material de tipo 'p'. Para fazer uma medição da capacitância no interior do InN, nós tivemos que nos livrar da camada de tipo 'n'," explica Ager.
O método para se fazer isto na maioria dos materiais é aplicar uma tensão, utilizando um eletrodo metálico carregado positivamente, através de uma camada isolante, "mas nós necessitaríamos de um campo elétrico gigantesco," diz Walukiewicz. "Então nos ocorreu que poderíamos utilizar um eletrodo líquido - um eletrólito."
Por causa da persistente acumulação superficial de elétrons, eletrodos sólidos não conseguem fazer contato com o interior. Mas, com uma voltagem elevada, um eletrólito líquido consegue remover elétrons da superfície em número suficiente para contatar as lacunas na parte interna. Linhas vermelhas e azuis são diferentes amostras de InN dopado com magnésio; círculos amarelos mostram InN não dopado. Aclives indicam cargas negativas; declives indicam a carga positiva das lacunas no interior do material dopado. |
Estabelecendo um contato entre as amostras e uma solução de hidróxido de sódio, os pesquisadores formaram uma barreira de camada dupla, que agiu da mesma forma que uma camada isolante sólida funcionaria nas medições normais de capacitância.
"À medida em que aumentamos a tensão, ela removeu elétrons da superfície e nos deu acesso ao material da parte interna," diz Walukiewicz. "Nós fomos capazes de ver evidências de lacunas abaixo da camada superficial, começando a cerca de seis nanômetros de profundidade. Nós ficamos surpresos que a medição de capacitância com eletrólito funcionasse tão bem, mas agora parece bem lógico."
Ager afirma que, embora a evidência de condutância de tipo "p" abaixo da insistente superfície de tipo "n" seja encorajadora, "nós sabemos que os céticos irão demandar verificações adicionais.
Mais provas da existência do tipo "p"
Os pesquisadores ponderaram que eles conseguiriam criar defeitos adicionais no interior do material de tipo "p" irradiando as amostras com partículas de alta energia; os defeitos iriam doar mais elétrons através das ligações pendentes e destruir gradualmente a condutância positiva do material - na verdade, preenchendo as lacunas criadas pelas impurezas de magnésio.
Eles bombardearam tanto as amostras dopadas quanto as não dopadas com íons de hélio de dois milhões de elétron-volts, em passos controlados. Nas amostras não dopadas, a condutividade negativa aumentou suave e proporcionalmente, à medida em que a radiação criou mais doadores de elétrons, na forma de defeitos com ligações pendentes.
Mas, nas amostras dopadas, o comportamento foi totalmente diferente: a condutividade negativa aumentou muito mais lentamente sob pequenas doses de radiação. A doses elevadas, entretanto, a atividade elétrica dos átomos receptores de magnésio foi eventualmente varrida pela enxurrada de defeitos doadores adicionais, e o comportamento elétrico das amostras logo começou a lembrar o nitreto de índio que nunca fora dopado.
A fotoluminescência - emissão de luz após sua excitação com um laser - também se alterou com incrementos discretos na dose de radiação, à medida em que as lacunas nas amostras dopadas foram deslocadas pelos elétrons. Todas as amostras de InN não dopadas apresentaram sinais distintos de fotoluminescência (inclusive as sujeitas a doses massivas de radiação); em contraste, as amostras dopadas com magnésio inicialmente não apresentaram nenhuma fotoluminescência. Mas, com doses crescentes, e um aumento na proporção entre elétrons e lacunas, a fotoluminescência nas amostras dopadas apareceu e aumentou, até finalmente cair sob a ação de doses muito altas.
O nitreto de índio de tipo "n" não dopado é luminescente, mas o InN dopado com magnésio, de tipo "p", não é. Aumentando-se o bombardeamento de InN dopado com íons de hélio criou-se mais defeitos, portanto mais doadores de elétrons, os quais restauraram a fotoluminescência, até que doses muito altas de radiação anulassem o efeito. |
"A prova de que nossas amostras dopadas são do tipo "p" é um passo adiante importantíssimo - alguns semicondutores, o óxido de zinco, por exemplo, não podem ser dopados de jeito nenhum. Mas ainda restam inúmeros desafios," diz Ager.
Um dos desafios é o problema da acumulação superficial de cargas negativas, que blinda o InN dopado positivamente do contato elétrico. A dificuldade depende parcialmente da aplicação; para células solares feitas de ligas de nitreto de índio-gálio, as possíveis soluções podem estar na própria natureza das ligas.
Embora este grupo de pesquisadores tenha largado na frente, sendo os primeiros a estabelecer o potencial dos nitretos do grupo III, destacando o caráter promissor das ligas de nitreto de índio-gálio em particular, eles não são os únicos a aceitar os desafios de chegar a aplicações práticas. Walukiewicz diz que grupos no Japão, França, Coréia e, nos Estados Unidos, na Universidade de Santa Bárbara, todos são sérios competidores.
Os membros da equipe que relatou a dopagem de tipo "p" do nitreto de índio incluem Kin Man Yu, Wladek Walukiewicz, Joel Ager Becca Jones, Sonny Li, Eugene Haller, Hai Lu e William Schaffation.