Redação do Site Inovação Tecnológica - 16/08/2002
O engenheiro eletricista Steve Holland, do Laboratório Berkeley (Estados Unidos), criou uma nova categoria de fotodetector, baseando-se na física de alta energia. Esses detectores representarão uma verdadeira revolução na astronomia, ao substituir os atuais sensores, como os utilizados no telescópio espacial Hubble.
Os CCD ("Charge-Coupled Devices" - Dispositivos de cargas acopladas) são os dispositivos que captam a imagem nas câmeras digitais. Eles já estão largamente disseminados pelo mercado, equipando desde web-câmeras até equipamentos científicos. São semicondutores que convertem a luz em padrões de energia, através da transformação de fótons em carga elétrica. Um CCD é formado por milhões destes conversores. A carga de cada um desses sensores é lida e transformada em uma imagem digital.
O novo CCD é um sub-produto das pesquisas para a criação do "Superconducting Supercollider", um acelerador de partículas super sensível. O equipamento utilizado para a coleta das partículas foi a origem da nova descoberta.
Um detector de partículas típico consiste em uma chapa de silício com 300 micrômetros de espessura, mais ou menos a espessura de um cartão postal. Para se comparar, um CCD utilizado em astronomia, para ser capaz de detectar a fraquíssima luz azul de uma galáxia distante deve ter uma espessura dezenas de vezes menor. Isso não somente o torna muito frágil, como significa a perda das freqüências na faixa do infravermelho e vermelho visível, que possuem grandes comprimentos de onda.
O que os engenheiros dos Laboratórios Berkeley descobriram foi uma forma de reter a sensitividade ao azul, mas incrementando significativamente resposta do CCD aos grandes comprimentos de onda.
CCDs hoje utilizados nas câmeras digitais são iluminados frontalmente. Os fótons que deixam a cena sendo filmada ou fotografada incidem sobre os sensores diretamente, liberando os elétrons. Cada sensor é uma espécie de "buraco", onde os elétrons ficam armazenados. Estes elétrons são coletados periodicamente, formando as imagens. O valor de cada bit ou pixel, dependerá da quantidade de elétrons acumulados nesse "buraco".
Os CCDs utilizados em astronomia, ao contrário, são iluminados por trás. Isso é necessário para proteger os circuitos do ambiente hostil do espaço. Para que os fótons atinjam o sensor, praticamente todo o substrato deve ser removido mecânica ou quimicamente. Esse substrato é reduzido a uma camada de meros 20 micra. Como se pode deduzir, esse é um processo extremamente caro, devido ao grande número de perdas de CCDs durante a fabricação. Ao final, cada um deles sai custando dezenas de milhares de dólares.
É essa fragilidade que faz com que os sensores do Hubble tenham que ser trocados tão freqüentemente.
O desafio, portanto, consistia em se produzir um CCD sensível ao azul mas que não necessitasse ser extremamente fino. A equipe do Dr. Holland partiu então para construir um CCD que pudesse ser levado diretamente da pastilha de silício para o telescópio.
O segredo para o sucesso da técnica desenvolvida está na utilização de silício negativamente dopado (tipo N), de altíssima pureza. Dopantes eletricamente ativos nesse tipo de material são quase inexistentes, sendo contados na faixa de uma parte para cada cem bilhões. São exigidos cuidados e procedimentos em sala limpa para que se possa manter essa pureza. São utilizadas dez máscaras e três camadas de silício para os eletrodos.
"Em nosso trabalho com alta-energia, desenvolvemos uma combinação única de técnicas para nos livrarmos das impurezas, produzindo detectores com baixas correntes escuras.", explicou o Dr. Holland. Correntes escuras são causadas por cargas não criadas pelos fótons que atingem o material, mas por energia termal gerada no próprio material.
Outra importante característica do projeto é que o silício foi totalmente deplecionado. Ao desenhar uma janela transparente na parte posterior do substrato de silício de tipo N, janela esta que também age como eletrodo, pode-se aplicar uma voltagem de calibração entre a janela e a camada positivamente dopada sob o circuito frontal. A voltagem depleciona totalmente o substrato, ou seja, elimina todos os portadores de carga no silício. O material final é chamado de silício de alta resistividade.
O resultado é que, quando um fóton de luz azul produz um elétron próximo à superfície posterior do chip, o elétron pode caminhar diretamente para os sensores localizados na camada anterior, sem se perder em qualquer recombinação. A resolução espacial é muito boa, porque os elétrons refletem com precisão a posição dos fótons que os produziram. Na luz azul, o "grosso" chip de 300 micrômetros substitui perfeitamente o CCD ultra-fino.
Na luz vermelha, o chip mais grosso funciona muito melhor do que o chip fino. Um chip grosso possui muito mais material no qual os fótons com grandes comprimentos de onda podem interagir. Ao contrário de um chip fino, no qual a luz vermelha é refletida num movimento de vai-vem entre as superfícies posterior e anterior, produzindo interferência, em um chip grosso as cargas viajam diretamente até os buracos coletores de elétrons (os sensores propriamente ditos), com baixíssima difusão lateral. Não há reflexão, nem interferência.
Um protótipo do novo CCD, com quatro milhões de pixels, mostrou excelentes respostas às freqüências de vermelho e infravermelho. Nas faixas próximas ao infravermelho o desempenho foi muito superior aos atuais chips.
Uma vez que o novo CCD é utilizado "de costas", os circuitos não ficam expostos e suas superfícies sensitivas podem ser colocadas lado a lado, formando grandes estruturas. Está sendo fabricado agora um CCD com oito milhões de pixels, que será utilizado no telescópio Keck. Já está sendo projetado outro CCD, para equipar o satélite SNAP (SuperNova/Acceleration Probe), que ficará em órbita polar.
A descoberta do novo CCD está sendo considerada decisiva para o sucesso do projeto SNAP, que deverá durar pelo menos cinco anos. Como o Hubble bem o demonstrou, os atuais CCD não possuem vida útil tão longa. As imagens óticas do SNAP terão cerca de um bilhão de pixels, a maior e mais precisa imagem astronômica jamais feita.
Além de revolucionar a astronomia, o novo CCD poderá ainda ser utilizado na geração de imagens de raios X, em exames de mamografia e como umanova geração de detectores de partículas.