Com informações do LNNano - 04/01/2013
Triboeletricidade
Fenômenos eletrostáticos desafiam filósofos e cientistas desde que Tales de Mileto, por volta de 600 a.c, esfregou um pedaço de âmbar com lã e constatou que a resina petrificada atraía pedacinhos de palha.
Este simples experimento ainda não é bem compreendido pela ciência, e não existem teorias que expliquem efetivamente esse fenômeno.
Mas ele tem um nome: triboeletricidade.
E suas consequências podem ser catastróficas, como o incêndio do dirigível Hindenburgo, em 1937, ou o acidente com o Veículo Lançador de Satélites (VLS-1 V03), no Maranhão, em 2003.
Por outro lado, apesar da limitação científica, várias tecnologias eletrostáticas são usadas com sucesso, como as de fotocopiadoras e impressoras a laser, a pintura eletrostática, a eletrofiação e a reciclagem de plásticos.
Eletrostática
A eletrostática é normalmente considerada como sendo uma disciplina da física, mas os métodos aplicados ao seu estudo não tem produzido boas soluções.
Muitos pesquisadores e engenheiros vêm tentando explicar a separação de cargas elétricas que produz a triboeletricidade como resultado da transferência de elétrons, mas isso só foi demonstrado no caso de metais e semicondutores.
Nos sistemas vivos, a eletrização é consequência da transferência de íons. No caso dos materiais isolantes, como os plásticos, vidros e cerâmicas, não se sabe quais são as entidades portadoras de cargas e nem como essas cargas são transportadas de uma superfície para outra quando esses materiais adquirem carga elétrica estática.
"Em nanotecnologia, o problema é ainda mais grave: quando se reduz a escala, o efeito da carga estática se torna maior que o do peso", diz Fernando Galembeck, diretor do LNNano (Laboratório Nacional de Nanotecnologia) e do Inomat (Instituto Nacional de C,T&I em Materiais Funcionais).
"Utilizando a microscopia de transmissão associada à espectroscopia de perda de energia de elétrons e à microscopia Kelvin, constatamos que partículas de látex, que sempre foram tratadas como elementos neutros, são de fato multipolos elétricos", lembra Galembeck.
Ao longo de mais de dez anos, o grupo analisou cerca de 100 amostras para concluir que, em escalas nanométrica e micrométrica, isolantes sempre apresentam domínios com excesso de cargas positivas e negativas, lado a lado.
"A regra não é a eletroneutralidade", enfatiza o diretor do LNNano.
Participação do ambiente
As pesquisas avançaram com a utilização de pastilhas de silício recobertos com sílica e tiras de ouro, formando um conjunto de eletrodos interdigitados.
"Medimos o comportamento da amostra com diferentes percentuais de umidade e constatamos que a sílica adquire carga negativa quando a umidade se aproxima de 70%", lembra Galembeck. "Confirmamos que, ao mudar a umidade, muda também o grau de eletrização e concluímos que a atmosfera participa do processo de troca de carga."
Agora o grupo publicou uma nova descoberta: mapas de carga de amostras de PTFE (politetrafluoretileno) atritadas contra outras de polietileno mostram regiões macroscópicas com excesso de cargas negativas e positivas formadas por resíduos de PTFE negativos e resíduos de polietileno, positivos.
Teoria sobre eletricidade estática
Como entender essa separação de carga nos dois materiais?
O mecanismo proposto pelos pesquisadores brasileiros considera, em primeiro lugar, que o atrito entre duas superfícies de polímeros provoca a extensão das cadeias de átomos da superfície dos plásticos.
Algumas cadeias se rompem formando radicais livres, que são as terminações das cadeias com elétrons desemparelhados. Estes radicais são instáveis e tendem a formar outras substâncias e uma das possibilidades é a transferência de um elétron dos radicais que tem menor afinidade por elétrons (os do polietileno) para os que tem maior afinidade, que são os do PTFE.
Dessa forma, os radicais de polietileno transformam-se em íons positivos e os do PTFE em íons negativos. As cargas opostas dos íons tendem a se atrair, mas estão presas a grandes cadeias poliméricas que são sempre imiscíveis, segundo a teoria de Flory, das soluções de polímeros.
Portanto, as cargas positivas acumulam-se em uma região da amostra e as negativas em outra região, contígua.
Embora não seja a palavra final sobre a triboeletricidade e os desafios que o fenômeno impõe para a nanotecnologia ou para as macrotecnologias, a teoria está chamando a atenção de pesquisadores da área em todo o mundo.
Depois de ser publicado em revistas científicas e apresentado em vários congressos internacionais, a proposta dos brasileiros constou como uma das mais importantes na área da triboeletricidade em um trabalho chamado "O que cria a eletricidade estática?" publicado pela revista American Scientist.