Wiltshire et al. - The Conversation - 21/07/2023
Princípio Cosmológico
Nossas ideias sobre o Universo são baseadas em uma simplificação centenária conhecida como Princípio Cosmológico. Esse princípio sugere que, quando calculado em grandes escalas, o cosmos é homogêneo e a matéria é distribuída uniformemente por toda parte.
Isso permite uma descrição matemática do espaço-tempo que simplifica a aplicação da Teoria Geral da Relatividade de Einstein ao Universo como um todo.
Nossos modelos cosmológicos são baseados nessa suposição. Mas, à medida que novos telescópios, tanto na Terra quanto no espaço, fornecem imagens cada vez mais precisas, e os astrônomos descobrem objetos massivos, como o arco gigante de quasares, essa base é cada vez mais contestada.
Em nossa recente revisão, publicada na [revista científica] Classical and Quantum Gravity, nós discutimos como essas novas descobertas nos forçam a reexaminar radicalmente nossas suposições e mudar nossa compreensão do Universo.
O erro de Einstein
Albert Einstein enfrentou dilemas enormes 106 anos atrás, quando ele aplicou pela primeira vez suas equações da força da gravidade ao Universo como um todo. Nenhum físico jamais havia tentado algo tão ousado, mas foi uma consequência natural da sua ideia-chave. Como nos lembra um livro-texto de 50 anos: "A matéria diz ao espaço como se curvar, e o espaço diz à matéria como se mover."
Os dados eram quase completamente inexistentes em 1917 e a ideia de que as galáxias eram objetos a grandes distâncias era uma visão minoritária entre os astrônomos.
O ponto de vista convencional, aceito por Einstein, era que todo o Universo se parecia com o interior da nossa galáxia. Isso sugeria que as estrelas deviam ser tratadas como fluidos sem pressão, distribuídos aleatoriamente, mas com uma densidade média bem definida - a mesma, ou homogênea, em qualquer lugar do espaço.
Com base nessa ideia de que o Universo é o mesmo em todos os lugares, Einstein introduziu sua constante cosmológica, simbolizada pela letra grega lâmbda (λ), hoje conhecida como "energia escura".
Em pequenas escalas, as equações de Einstein nos dizem que o espaço nunca fica parado. Mas forçar isso sobre o Universo em grande escala não era natural. Einstein ficou, portanto, aliviado com a descoberta da expansão do Universo no final da década de 1920. Ele ainda descreveu λ como seu maior erro.
Uniformidade ancestral versus uniformidade atual
Nós agora temos modelos incrivelmente detalhados da física das estrelas e galáxias embutidas no Universo em evolução. Nós podemos rastrear a astrofísica de "coisas" desde pequenas ondulações-semente na bola de fogo primordial, até as estruturas complexas atuais.
Nossos telescópios são maravilhosas máquinas do tempo: Eles olham para trás até quando os primeiros átomos se formaram e o Universo se tornou transparente pela primeira vez.
Além está o plasma primordial, opaco como o interior e a superfície do Sol. A luz que deixou a "superfície da última dispersão" do Universo era muito quente naquela época, cerca de 2.700 ºC.
Nós recebemos a mesma luz hoje, mas resfriada a menos 270 ºC e diluída pela expansão do Universo. Esta é a radiação cósmica de fundo e é notavelmente uniforme em todas as direções.
Esta é uma forte evidência de que o Universo estava muito próximo da uniformidade espacial quando era uma bola de fogo. Mas não há evidência direta de tal uniformidade hoje.
Um Universo granuloso
Olhando muito para atrás no tempo, nossos telescópios revelam pequenas galáxias se fundindo, crescendo em estruturas cada vez maiores até os dias atuais.
A expansão do Universo foi interrompida inteiramente dentro das maiores concentrações de matéria, conhecidas como aglomerados de galáxias. Onde o espaço está se expandindo, os aglomerados são esticados em filamentos e folhas que enredam e cercam vastos vazios, todos crescendo com o tempo, mas em taxas diferentes. Em vez de ser regular, a matéria forma uma "teia cósmica".
Mas a ideia de que o Universo é espacialmente homogêneo perdura.
Haveria uma inconsistência grosseira entre a teia cósmica observada e uma geometria curva média do espaço se tudo o que vemos fosse tudo o que existisse. Evidências de falta de matéria existem desde as primeiras observações dos aglomerados de galáxias, em 1933.
Nossas primeiras observações da radiação cósmica de fundo em micro-ondas e suas ondulações na década de 1965 mudaram essa ideia.
Nossos modelos de física nuclear são maravilhosamente preditivos. Mas eles só são consistentes com as observações se a massa que falta nos aglomerados de galáxias for algo como os neutrinos, que não podem emitir luz. Assim, nós inventamos a "matéria escura fria" [CDM (Cold Dark Matter) é um dos modelos mais aceitos hoje pela Física], que torna a gravidade mais forte dentro dos aglomerados de galáxias.
Bilhões de dólares foram gastos tentando detectar diretamente a matéria escura, mas décadas de tais esforços não produziram uma detecção definitiva do que compõe 80% de toda a matéria e 20% de toda a energia do Universo hoje.
Um céu anômalo
A radiação cósmica de fundo em micro-ondas não é perfeitamente uniforme. Sobrepostas a ela estão as flutuações, uma das quais é anormalmente grande e tem a forma de um dipolo: Um diagrama yin-yang cobrindo todo o céu.
Nós podemos interpretar isso como um efeito devido ao movimento relativo, desde que definamos a radiação cósmica de fundo em micro-ondas como o referencial de repouso do Universo. Se não fizéssemos isso, precisaríamos de uma explicação física para o grande dipolo.
A maior parte do quebra-cabeça se resume a uma assimetria de força - um Universo desequilibrado [assimétrico]. As temperaturas dos hemisférios acima e abaixo do plano da Via Láctea são ligeiramente diferentes das expectativas.
Essas anomalias há muito são explicadas como resultado de processos físicos não contabilizados na modelagem de emissões de micro-ondas da Via Láctea.
Matéria dentro do céu
A radiação cósmica de fundo em micro-ondas não é a única observação de todo o céu a mostrar um dipolo. No ano passado, pesquisadores usaram observações de 1,36 milhão de quasares distantes e 1,7 milhão de fontes de rádio para testar o princípio cosmológico. Eles descobriram que a matéria também é distribuída de forma desigual.
Outro mistério ainda mais amplamente discutido é a "tensão de Hubble". Convencionalmente, nós assumimos que uma média de todo o céu da atual taxa de expansão do Universo fornece um valor bem definido: a constante de Hubble. Mas o valor medido difere do esperado, dado um histórico de expansão padrão baseado na radiação cósmica de fundo em micro-ondas. Se permitíssemos cosmologias não homogêneas, esse problema poderia simplesmente desaparecer.
Usando dados cósmicos de fundo de microondas dos hemisférios opostos individuais, um histórico de expansão padrão implica diferentes "constantes" de Hubble em cada lado do céu hoje.
Esses quebra-cabeças são compostos por uma lista cada vez maior de descobertas inesperadas: Um vasto arco gigante de quasares e um Universo inicial complexo, brilhante e repleto de elementos, revelado pelo Telescópio Espacial James Webb.
Se a matéria é muito mais variada e interessante do que o esperado, talvez a geometria do Universo também seja.
Já existem modelos que abandonam o princípio cosmológico e fazem previsões. Eles são simplesmente menos estudados do que a cosmologia padrão. Será que o observatório Euclides, da Agência Espacial Europeia, [irá] revelar que, em média, o espaço não é euclidiano? Se assim for, então uma revolução fundamental na física pode estar logo ali na esquina.
Este artigo foi republicado da revista The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original.