Redação do Site Inovação Tecnológica - 19/02/2021
Ângulo mágico e twistrônica
A capa da revista científica Nature desta semana destaca uma invenção brasileira, fruto de uma parceria entre o Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia) e a UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
A invenção é um nanoscópio - enquanto um microscópio faz imagens na escala dos micrômetros (10-6 m), um nanoscópio tem resolução na faixa dos nanômetros (10-9 m) - que usa a luz para mostrar um rearranjo muito especial que acontece quando duas folhas de grafeno são sobrepostas.
Tudo começou em 2018, quando uma equipe do MIT e da Universidade de Harvard descobriu que o grafeno pode ir de isolante a supercondutor quando duas folhas do material são sobrepostas e giradas entre si em 1,1 grau.
Poucos meses depois, a professora Rebeca Palau, da Universidade de Colúmbia, lançou o conceito de flexotrônica, ou twistrônica (do inglês twistronics), um jeito de fazer eletrônica usando apenas dois materiais, graças a esse "ângulo mágico" do grafeno.
Quase simultaneamente, uma pesquisadora brasileira descobriu que o deslocamento das camadas do material monoatômico também pode gerar um campo magnético artificial.
Inúmeros experimentos seguiram-se desde então, mas o assunto está em aberto, uma vez que os físicos ainda não compreendem bem o que acontece no deslocamento das folhas empilhadas de grafeno, e menos ainda por que, em determinados ângulos, o material muda tão drasticamente de comportamento.
É aí que entra o nanoscópio desenvolvido pela equipe brasileira, que está permitindo pela primeira vez observar esses fenômenos em busca de explicações.
Nanoscópio
O que se sabe até agora é que, quando duas camadas de grafeno sobrepostas são giradas uma em relação à outra, a rede de átomos de carbono se rearranja, gerando novas propriedades inesperadas, do comportamento isolante à supercondutividade, sem esquecer o magnetismo.
O nanoscópio tem como objetivo extrair informações sobre esta estrutura, como variações vibracionais e eletrônicas, mostrando as regiões na rede cristalina com resolução atômica, o que pode levar ao entendimento dos novos fenômenos físicos verificados no ângulo mágico de 1,1 grau, por exemplo.
"Não conseguiríamos obter esta informação com nenhum outro equipamento. Além disso, o nanoscópio brasileiro utiliza a nanoantena óptica desenvolvida no Inmetro e na UFMG, chamada de PTTP [Plasmon-Tunable Tip Pyramid], a qual é ilustrada na imagem da capa da revista. Trata-se do elemento funcional, com ponta ativa de poucos nanômetros e que permite a coleta da informação óptica bem próxima da amostra," explicou Thiago Vasconcelos, pesquisador do Inmetro e um dos autores do artigo.
Nenhum equipamento atual é capaz de elucidar uma estrutura cristalográfica com esse nível de detalhe, explica o professor Ado Jorio, da UFMG - microscópios eletrônicos e equipamentos de raios X possibilitam enxergar a estrutura cristalográfica dos materiais, mas não extrair informações funcionais sobre sua estrutura.
"Os microscópios eletrônicos e os difratômetros de raios X são muito energéticos, o que inviabiliza a extração das informações no nível de que precisamos", disse Ado. "Não é possível elucidar diferenças de energias pequenas com uma sonda (elétron ou fóton de raio X) que tem energia muito alta. O nanoscópio lida com a energia do visível. Assim, podemos ambicionar entender os materiais para fazer engenharia com suas propriedades, tornando-os supercondutores, por exemplo."
Funcionamento do nanoscópio
O nanoscópio ilumina a amostra como um microscópio óptico tradicional, com o foco da luz abrangendo um círculo de 1 micrômetro de diâmetro.
"O que o nanoscópio faz é inserir uma nanoantena, que tem uma ponta com diâmetro de 10 nanômetros, dentro desse foco de 1 micrômetro e escanear essa ponta. A imagem com resolução nanométrica é formada por esse processo de escaneamento da nanoantena, que localiza o campo eletromagnético da luz em seu ápice," explicou Ado.
No artigo que ganhou a capa da Nature, os pesquisadores demonstram o funcionamento do nanoscópio mostrando a estrutura atômica, vibracional e eletrônica das bicamadas de grafeno de baixos ângulos, incluindo aquelas que apresentam a supercondutividade.
"Esta tecnologia é tratada em 4 patentes, sendo duas delas depositadas também nos EUA, China e Europa. Ela foi essencial para alcançar os resultados obtidos neste artigo e tem potencial enorme para aplicações em quase toda indústria: de novos materiais, de semicondutores, de materiais biológicos, de fármacos e química," complementou Thiago.