Redação do Site Inovação Tecnológica - 23/09/2021
Aprendizado em matéria não-viva
Pesquisadores detectaram na matéria sólida comum dois aspectos do aprendizado, uma característica básica dos seres vivos e crucial para a inteligência.
Até agora, a inteligência artificial embutida em hardware, assim como a computação neuromórfica, que imita o funcionamento do cérebro, têm-se baseado fundamentalmente em componentes eletrônicos ou iônicos que apresentam efeitos que lembram a memória. É o caso dos memoristores e de algumas sinapses artificiais mais avançadas.
Mas Zhen Zhang e seus colegas da Universidade Rutgers, nos EUA, detectaram na matéria dois outros elementos característicos do aprendizado, a habituação e a sensibilização, que permitem que os animais, e os humanos em particular, aprendam e se adaptem a modificações no ambiente.
Segundo eles, esta demonstração pode servir como inspiração para uma nova família de algoritmos para a inteligência artificial.
Enquanto todo o progresso da inteligência artificial é baseado em um treinamento a partir de dados de eventos passados, a incorporação desses dois mecanismos pode dar aos programas uma flexibilidade que os torne capazes de lidar com incertezas, contradições e outros aspectos da realidade.
Matéria que aprende
A computação neuromórfica imita a estrutura neural e a operação do cérebro usando componentes especiais para construir sistemas nervosos artificiais, capazes de transferir sinais elétricos que imitam as sinapses cerebrais.
O que a equipe descobriu agora é que um material não condutor comum, o óxido de níquel (NiO), reage de forma diferente quando é exposto a diferentes elementos químicos ao longo do tempo.
"O objetivo era encontrar um material cuja condutividade elétrica pudesse ser ajustada modulando a concentração de defeitos atômicos com estímulos externos, como oxigênio, ozônio e luz," explicou o pesquisador Subhasish Mandal. "Estudamos como esse material se comporta quando dopamos o sistema com oxigênio ou hidrogênio e, o mais importante, como a estimulação externa altera as propriedades eletrônicas do material."
O que aconteceu foi que, quando o estímulo mudava rapidamente, o material não conseguia responder por completo, permanecendo em um estado instável em qualquer ambiente, e com uma resposta decrescente. Quando os pesquisadores introduziram um estímulo agressivo, como o ozônio, o material começou a responder com mais intensidade, mas depois começou a diminuir novamente a resposta.
Aprendizado não-associativo
Variando intensidade e duração do estímulo, temperatura e iluminação, a equipe constatou que o material apresenta uma espécie de aprendizado, uma "plasticidade dependente do tempo baseando-se tanto na força como no intervalo de tempo entre os estímulos".
Eles chamam isso de "aprendizado não-associativo", envolvendo uma sensibilidade a diferentes compostos e, conforme esses estímulos são apresentados, uma habituação com o estímulo, permitindo que o material otimize sua resposta.
A equipe compara essa resposta do NiO ao comportamento das lesmas-do-mar (Aplysia), sendo que o "comportamento" desse material inorgânico resulta da modulação dinâmica dos defeitos internos e da estrutura eletrônica do óxido.
"A parte mais interessante dos nossos resultados é que eles demonstram características universais de aprendizagem, como habituação e sensibilização, que geralmente encontramos em espécies vivas," disse Mandal. "Essas características materiais, por sua vez, podem inspirar novos algoritmos para inteligência artificial. Assim como o movimento coletivo de pássaros ou peixes tem inspirado a IA, acreditamos que o comportamento coletivo de elétrons em um sólido quântico pode fazer o mesmo no futuro."