Redação do Site Inovação Tecnológica - 04/07/2023
Matéria de bósons
Físicos conseguiram pela primeira vez manipular um sistema real - e não um simulador ou um sistema sintético - para criar uma matéria feita de bósons.
"Nós descobrimos um novo estado da matéria," comemora sem meias palavras o pesquisador Richen Xiong, da Universidade da Califórnia de Santa Bárbara, nos EUA, que fez a descoberta juntamente com colegas do Instituto Nacional de Ciência de Materiais, no Japão.
Este novo estado da matéria é chamado isolante bosônico correlacionado, o que já mostra sua principal característica: Ele é feito de bósons, e não de férmions.
As partículas subatômicas que compõem a matéria vêm tipicamente em dois sabores, os bósons (fótons, glúons, mésons etc.) e os férmions (elétrons, prótons, quarks e neutrinos). Eles se distinguem basicamente pelo seu comportamento.
"Os bósons podem ocupar o mesmo nível de energia; os férmions não gostam de ficar juntos. Juntos, esses dois comportamentos constroem o Universo como o conhecemos," explica o professor Chenhao Jin.
Os férmions, como os elétrons, estão na base da matéria com a qual estamos mais familiarizados, e da qual somos feitos, já que são estáveis e interagem por meio da força eletrostática. Enquanto isso, os bósons, como os fótons (partículas de luz), tendem a ser mais difíceis de criar ou manipular, não gostando muito de interagir entre si - há um grande esforço na tentativa de fazer a luz interagir consigo mesma para criar computadores que funcionam com luz.
Assim, para criar a matéria bosônica, a equipe precisou se valer de um intermediário, um éxciton, uma quasipartícula que, entre muitas outras aplicações, está fazendo a ponte entre a computação eletrônica e a comunicação óptica.
Cristal de bósons
Éxcitons são elétrons emparelhados com suas lacunas associadas - lembre-se que um elétron representa uma carga negativa, enquanto a ausência do elétron, ou lacuna, representa uma carga positiva.
Para criar e identificar éxcitons em seu experimento, os pesquisadores colocaram dois materiais monoatômicos um em contato com o outro, formando camadas, e dispararam luzes fortes sobre eles, em um método que chamam de "espectroscopia por sonda de bombeamento".
Os dois materiais são o disseleneto de tungstênio (WSe2) e o dissulfeto de tungstênio (WS2), ambos materiais largamente pesquisados em aplicações de ponta, das células solares aos LEDs, mas com um detalhe importante: Ambos foram sobrepostos em um padrão conhecido como moiré, em que as redes atômicas dos dois materiais estão ligeiramente deslocadas uma da outra.
A ativação das partículas de cada uma das redes (elétrons do dissulfeto de tungstênio e lacunas do disseleneto de tungstênio) pela luz criou um ambiente favorável para a formação e interações entre os éxcitons, permitindo que os pesquisadores sondassem o comportamento dessas partículas.
Foi aí que aconteceu a surpresa: As fortes interações entre os éxcitons produziram comportamentos coletivos das quasipartículas até uma densidade que as forçou a formar um estado cristalino. "Quando esses éxcitons atingem uma certa densidade, eles não podem mais se mover," detalhou Jin.
Materiais bosônicos
A interação luz-matéria deu origem a um sólido bosônico. E, devido à imobilidade dos éxcitons, o material é um isolante - um isolante bosônico correlacionado.
"O que aconteceu aqui é que descobrimos a correlação que levou os bósons a um estado altamente ordenado," disse Xiong. Geralmente, uma coleção solta de bósons sob temperaturas ultrafrias forma um condensado, mas, neste sistema, com luz e maior densidade e interação em temperaturas relativamente mais altas, eles se organizaram em um sólido simétrico e isolante de carga neutra.
Com essa técnica de produção de sólidos bosônicos, torna-se possível não apenas estudar partículas bosônicas conhecidas, como os éxcitons, que têm-se mostrado importantes para várias aplicações práticas, mas também abrir a possibilidade de criar matéria condensada com outros materiais bosônicos.
"Sabemos que alguns materiais têm propriedades muito bizarras," disse Xiong. "E um objetivo da física da matéria condensada é entender por que eles têm essas propriedades ricas e encontrar maneiras de tornar esses comportamentos mais confiáveis."