Redação do Site Inovação Tecnológica - 17/07/2020
Águas mortas
Você sabia que, vez ou outra, navios gigantescos, viajando a todo vapor pelos oceanos, misteriosamente desaceleram - alguns até param - mesmo que seus motores continuem funcionando corretamente?
Esse fenômeno, batizado de "águas mortas", foi observado pela primeira vez em 1893 pelo explorador norueguês Fridtjof Nansen.
Em 1904, o físico e oceanógrafo sueco Vagn Walfrid Ekman mostrou em laboratório que ondas formadas sob a superfície, na interface entre camadas de água salgada e doce interagem com o navio, gerando arrasto.
Acontece que o fenômeno ocorre em todos os mares e oceanos, em condições muito diferentes, e a teoria não explicava todos.
Assim, ficamos com duas "teorias" incompletas. A primeira, o arrasto de ondas de Nansen, causa uma velocidade constante anormalmente baixa do navio, mesmo com seus motores em potência total. A segunda, o arrasto gerador de ondas de Ekman, é caracterizada por oscilações de velocidade no barco preso, embora a causa fosse desconhecida.
Agora, Johan Fourdrinoy e seus colegas do Centro Nacional Francês de Pesquisa Científica (CNRS) desvendaram o fenômeno das águas mortas.
Correia transportadora de água
A equipe utilizou uma classificação matemática de diferentes ondas e fez uma análise experimental de imagens de ondas em uma escala sub-píxel, algo nunca feito antes.
Isso mostrou que as variações de velocidade do navio são devidas à geração de ondas específicas que atuam como uma correia transportadora ondulada, na qual o navio se move para frente e para trás.
A equipe também reconciliou as observações de Nansen e Ekman, mostrando que o regime oscilatório de Ekman é apenas temporário: o navio acaba escapando e atinge a velocidade constante e mais baixa de Nansen.
E o fenômeno das águas mortas acontece onde águas de diferentes densidades se misturam, o que pode ocorrer não apenas por causa da salinidade, como Nansen observara, mas também por causa da temperatura.
Derrota de Cleópatra
Além de explicar eventuais atrasos dos navios, isentando os capitães de qualquer culpa, esta pesquisa teve um outro efeito curioso.
A equipe começou investigando por que, durante a Batalha de Ácio - no ano 31 AC -, os grandes navios de Cleópatra não conseguiram vencer os navios mais fracos de Otaviano. Uma das hipóteses é que, como a Baía de Ácio tem todas as características de um fiorde, a frota da rainha do Egito poderia ter ficada presa em águas mortas. Portanto, agora temos outra hipótese para explicar essa derrota retumbante, que na Antiguidade era atribuída a rêmoras, peixes com ventosas que teriam segurado os navios.
A lenda pode finalmente dar lugar uma explicação mais razoável, ainda que acabe colocando um triste acaso em um capítulo tão crucial da história ocidental: a derrota de Cleópatra marcou o fim da República e o início do Império Romano. Ou será que dizer que a armada de Cleópatra foi derrotada por "águas mortas" não parece ainda mais lendário do que dizer que ela foi derrotada por peixes?