Scott Schrage - Universidade Nebraska-Lincoln - 17/06/2019
"Força quântica"
Não é qualquer dia que um físico descobre uma nova força, menos ainda uma "força quântica".
Por isso, quando Maria Becker e seus colegas da Universidade de Nebraska-Lincoln, nos EUA, submeteram seu artigo descrevendo a existência de uma força não-newtoniana, a revista pediu que eles colocassem "força" firmemente entre aspas.
Afinal, essa palavra pertence desde o princípio à física newtoniana clássica: Reações iguais e opostas, eletromagnetismo, gravidade e outras leis que explicam os fenômenos da experiência cotidiana, como a maçã que cai da árvore.
Mas Maria Becker e seus colegas estão usando a palavra no contexto da física quântica, que descreve o infinitesimalmente pequeno, onde a posição e a velocidade das partículas subatômicas são definidas por probabilidades, e não por valores precisos, onde os elétrons se comportam simultaneamente como partículas e como ondas, e onde outras imprecisões contraintuitivas governam o reino.
Aharonov, Bohm, Zeilinger e Berry
Esse reino ficou ainda mais confuso em 1959, quando foi sugerido um experimento no qual a mera proximidade de uma força clássica - em vez da própria força - poderia se impor ao mundo físico. No experimento, duas correntes de elétrons navegam de cada lado de uma bobina cujo campo magnético é totalmente protegido desses elétrons.
Apesar do fato de que nenhum dos fluxos de elétrons passa através do campo magnético real, os pesquisadores determinaram que as probabilidades quânticas dos elétrons sofrem mudanças mensuráveis que dependem da força do campo magnético. Experimentos posteriores confirmaram a presença desse chamado efeito Aharonov-Bohm.
Mas se a existência desse estranho efeito era indiscutível, a natureza dele não era. Anton Zeilinger, que já havia colocado a causalidade em xeque, introduziu um teorema sugerindo que o efeito Aharonov-Bohm não representa e nem resulta de uma força. Anos mais tarde, porém, os físicos Andrei Shelankov e Michael Berry contra-argumentaram afirmando que o efeito Aharonov-Bohm surge do equivalente quântico de uma força. Mesmo que essa força não retarde os elétrons, Shelankov previu que isso poderia modificar suas trajetórias de voo, desviando-os ligeiramente.
"Em cada caso, você pode entender a derivação de cada teoria," disse Herman Batelaan, membro da equipe que agora descobriu a "força quântica". "Os dois parecem certos, mas eles estão em conflito uns com os outros. Por isso, quebramos a cabeça para elaborar uma teoria que dê as duas respostas. Entendemos que deveria haver uma estrutura maior. Ela precisava existir para resolver o conflito teórico. Ela implorava por um experimento."
Então, Maria Becker colocou-se um objetivo grandioso: demonstrar a previsão de Shelankov e, ao mesmo tempo, acomodar o teorema de Zeilinger.
Força não-newtoniana
O experimento, realizado na Universidade de Antuérpia, na Bélgica, lembra muitos dos que o precederam: Feixes de elétrons navegando em direção a uma haste nanoscópica cujo campo magnético está protegido das partículas. Quando a magnetização da haste é zero, os padrões de ondas que os elétrons formam depois de se refletirem no escudo - padrões semelhantes a ondulações sobrepostas na água - mostraram-se simétricos.
No entanto, quando a equipe aumentou a magnetização, esses padrões de difração tornaram-se assimétricos - um indício indireto de uma força não-newtoniana cutucando os elétrons para a esquerda ou para a direita. E, como a equipe esperava, inverter a direção da magnetização também inverteu a direção da assimetria, apoiando ainda mais a ideia de um fenômeno quântico que pode afetar a matéria de maneiras semelhantes às forças newtonianas clássicas.
E quanto ao teorema de Zeilinger? De acordo com a análise da equipe, os pressupostos teóricos que ele fez não se aplicam ao movimento lateral implícito no experimento. Dado isso, Batelaan afirma que o estudo não invalida Zeilinger. Em vez disso, a equipe demonstrou matematicamente que seus resultados, previstos pelo Shelankov, e o teorema de Zeilinger são dois casos especiais de um teorema mais abrangente.
Batelaan comparou a situação a uma bola que começa a rolar ao longo de uma plataforma plana. Elevar e abaixar lentamente essa plataforma pode alterar o destino da bola no plano mesmo que sua velocidade e tempo de chegada permaneçam os mesmos. Olhando para a parte de baixo da plataforma, um observador poderia não perceber qualquer mudança, que pode se tornar aparente somente depois de se mudar de perspectiva.
Natureza não-local
A questão da perspectiva também fundamenta a interpretação do estudo, disse Batelaan. Forças clássicas operam localmente, afetando apenas a matéria adjacente a essas forças. Mas a mecânica quântica - notavelmente o entrelaçamento quântico, pelo qual as mudanças em uma partícula se manifestam simultaneamente em outra partícula emaranhada que poderia teoricamente estar a anos-luz de distância - não é limitada pela distância, ela é não-local.
Desta forma, os resultados podem ser interpretados como evidência de uma força similarmente não-local.
"Aqui temos uma situação que é não-local, mas diferente do entrelaçamento quântico," disse Batelaan. "É um fenômeno de uma partícula, não um fenômeno de duas partículas. Então, poderia essa ideia de coisas acontecendo sem uma força ser aplicada em um contexto diferente? Isso é muito raro. É muito, muito especial. Eu sinto que isso destaca a ideia de que a natureza pode ser não-local. Esta é a grande questão. Será que as coisas que eu faço aqui afetam as coisas em outro lugar, sem um intermediário claro?"
O fato de ter encontrado evidências de uma "força" não-local não significa que o pesquisador tenha gostado da ideia - não se pode esquecer que, igualmente, Einstein desdenhou o entrelaçamento quântico chamando-o de ação fantasmagórica à distância.
"Acho nojento," disse Batelaan aos risos. "Eu vivo no mundo clássico. Tudo o que vejo ao meu redor, vejo acontecendo por causa de forças. Se há coisas acontecendo sem forças, por que não posso usá-las? Por que não há mais exemplos disso? Como um princípio físico, deve estar em toda parte. Mas estamos possivelmente simplesmente cegos demais para vê-lo".