ESO - 04/10/2011
Alma diferente
O longamente aguardado telescópio ALMA, o telescópio terrestre de maior altitude já instalado, entrou finalmente em operação.
O ALMA, sigla do inglês Atacama Large Millimeter/submillimeter Array é também o observatório terrestre mais complexo já construído.
O ALMA observa o Universo nos comprimentos de onda do milímetro e submilímetro, aproximadamente mil vezes maiores do que os comprimentos de onda da radiação visível.
Utilizando estes comprimentos de onda maiores os astrônomos podem estudar objetos no espaço extremamente frios - tais como as nuvens densas de gás e poeira cósmicas, a partir das quais se formam estrelas e planetas - assim como objetos muito distantes, situados no Universo primitivo.
O ALMA é radicalmente diferente dos telescópios que observam no óptico e no infravermelho.
Ele é formado por uma rede de antenas ligadas entre si, funcionando como um único telescópio gigante - é isso que permite que ele detecte comprimentos de onda muito maiores que os da radiação visível.
E é por isso que as suas imagens não se parecem em nada com as fotografias do cosmos a que estamos habituados.
Telescópio de esticar
Por enquanto, a rede ALMA é composta por apenas um terço das 66 antenas de rádio previstas, e estão com separações entre si de no máximo 125 metros, em vez dos até 16 quilômetros possíveis, que serão atingidos em 2013, quando todas as antenas estiverem em seus lugares.
A rede está sendo construída no planalto do Chajnantor, no norte do Chile, a uma altitude de 5.000 metros. No entanto, mesmo em construção, o ALMA já se tornou o melhor telescópio do seu tipo - como demonstrado pelo incrível número de astrônomos que pediram tempo de observação do ALMA.
Nos últimos meses a equipe ALMA vem testando os sistemas do observatório, preparando-se assim para a primeira série de observações científicas, conhecida como Ciência Preliminar.
Milhares de cientistas de todo o mundo competiram entre si para poder estar entre os primeiros a explorar com esta nova ferramenta astronômica alguns dos mais escuros, mais frios, mais longínquos e mais escondidos segredos do cosmos.
A primeira imagem divulgada pelo telescópio revela uma visão do Universo que não poderia ser observada por telescópios ópticos ou infravermelhos.
A maior parte das observações utilizadas para criar esta imagem das Galáxias Antena foram obtidas com apenas doze antenas trabalhando em simultâneo - muito menos do que as que serão utilizadas nas primeiras observações científicas - e com as antenas também muito mais próximas umas das outras.
Assim, esta primeira imagem dá apenas uma ideia do que serão as futuras observações com este telescópio. À medida que o observatório for crescendo, a nitidez, a eficiência e a qualidade das observações aumentará de forma dramática. A qualidade das imagens num telescópio de interferometria como o ALMA depende tanto da separação entre as antenas como do seu número. Separações maiores significam imagens mais nítidas e se mais antenas estiverem trabalhando em conjunto teremos imagens mais detalhadas.
Galáxias Antena
As galáxias Antena são um par de galáxias em colisão que apresentam formas muito distorcidas. Enquanto a radiação visível nos mostra as estrelas nas galáxias, a imagem do ALMA revela algo que não pode ser visto no óptico: as nuvens de gás frio e denso a partir das quais se formam as novas estrelas. Esta é a melhor imagem no milímetro/submilímetro já obtida das galáxias Antena.
A imagem revela enormes concentrações de gás não apenas nos centros das duas galáxias, mas também na região caótica onde elas colidem. Ali, a quantidade total de gás corresponde a bilhões de vezes a massa do nosso Sol - um reservatório rico em matéria para gerações futuras de estrelas.
Observações como esta abrem uma nova janela no Universo submilimétrico e serão vitais na compreensão de como as colisões galácticas podem dar origem à formação de novas estrelas. Este é apenas um exemplo de como o ALMA revela partes do Universo que não poderiam ser observadas com telescópicos ópticos e infravermelhos.
O ALMA apenas pôde aceitar cerca de uma centena de projetos para esta primeira fase de nove meses de observações científicas iniciais. No entanto, ao longo dos últimos meses, astrônomos de todo o mundo submeteram mais de 900 propostas de observação. Esta quantidade de propostas bateu um novo recorde para um telescópio. Os projetos foram escolhidos com base no mérito científico, diversidade regional e na relevância relativamente aos objetivos científicos principais do ALMA.
"Estamos vivendo um momento histórico para a ciência e particularmente para a astronomia, e, diria eu, para a evolução da humanidade, uma vez que começamos a utilizar o maior telescópio em construção existente," disse Thijs de Graauw, diretor do ALMA.
Planetas habitáveis
Um dos projetos escolhidos para as primeiras observações científicas do ALMA é o de David Wilner do Harvard-Smithsonian Center of Astrophysics, Cambridge, Massachusets, EUA. "A minha equipe está à procura dos blocos constituintes de sistemas solares e o ALMA está particularmente bem equipado para os detectar," disse Wilner.
O alvo da equipe é a estrela AU Microscopii, situada a 33 anos-luz de distância e com apenas 1% da idade do nosso Sol. "Utilizaremos o ALMA para obter imagens do disco protoplanetário que julgamos orbitar esta jovem estrela. Temos esperança de poder descobrir com o ALMA pequenos amontoados nos cinturões empoeirados de asteroides, os quais podem ser os indícios de planetas até agora invisíveis." Wilner e a sua equipe partilharão os dados obtidos com uma equipe europeia que também tinha pedido observações ALMA desta estrela próxima envolvida em anéis de poeira.
Qualquer procura de planetas habitáveis em torno de outras estrelas começa geralmente pela procura de água nesses sistemas solares distantes. Quando existem discos de detritos, imensas quantidades de poeira, gás e rochas em torno das estrelas, estes objetos poderão igualmente conter pedaços de gelo com sulcos cheios com água gelada, gás e até muito possivelmente moléculas orgânicas - a astroquímica da vida.
Material de construção de sistemas planetários
Simon Casassus, da Universidade do Chile, e a sua equipe utilizarão o ALMA para observar o disco de gás e poeira em torno de HD142527, uma estrela jovem situada a 400 anos-luz de distância.
"O disco de poeira em torno desta estrela possui uma grande fenda, que pode ter tido origem durante a formação de planetas gigantes," disse Casassus. "No exterior desta fenda, o disco contém gás suficiente para formar cerca de doze planetas do tamanho de Júpiter. No interior da fenda, pode estar ainda se formando um planeta gasoso jovem, se existir material gasoso disponível."
As observações obtidas com o ALMA medirão a massa e as condições físicas do gás no interior da fenda. "Ou seja, o ALMA possibilitará observar a formação de planetas ou, pelo menos, o estágio mais próximo possível deste fenômeno," disse Casassus.
Madrugada cósmica
Mais longe, a 26.000 anos-luz de distância no centro da nossa Galáxia, encontra-se Sagitário A, um buraco negro de grande massa, com quatro milhões de vezes a massa do Sol. O gás e a poeira situados entre nós e este objeto o esconde dos olhos dos telescópios ópticos. No entanto, o ALMA está preparado para observar através da escuridão galáctica e oferecer-nos imagens soberbas de Sagitário A.
"O ALMA permitirá a observação de jatos de luz emitidos pela região em torno deste buraco negro de alta massa, e obter imagens das nuvens de gás capturadas pela enorme atração gravitacional. Poderemos assim estudar os terríveis hábitos alimentares deste monstro. Pensamos que parte do gás possa estar escapando da força gravitacional, com velocidades próximas à da velocidade da luz," disse Heino Falcke, astrônomo da Universidade Radboud, Nijmegen, Holanda.
Tal como os contornos dos desenhos de um livro de pintura infantil, também o gás frio e poeira cósmicos traçam estruturas no interior das galáxias, ainda que não possamos ver essas galáxias de forma clara.
Nos limites observacionais do nosso Universo visível, encontram-se as misteriosas galáxias de formação estelar explosiva, verdadeiras ilhas brilhantes num cosmos calmo e escuro. O ALMA irá procurar poeira e gás frio nestas regiões tão longínquas no passado, apenas algumas centenas de milhões de anos depois do Big Bang, numa época a que os astrônomos chamam a "madrugada cósmica".
Masami Ouchi, da Universidade de Tóquio, Japão, utilizará o ALMA para observar Himiko, uma galáxia longínqua que produz pelo menos 100 estrelas do tipo do Sol por ano, rodeada por uma nebulosa brilhante muito grande. "Os outros telescópios não conseguem nos mostrar por que é que a Himiko é tão brilhante e como é que desenvolveu uma nebulosa quente tão grande, enquanto o Universo primitivo à sua volta se mantém tão calmo e escuro," disse Ouchi. "O ALMA pode mostrar-nos o gás frio que se encontra no interior da nebulosa de formação estelar da Himiko, traçando assim os movimentos e atividade no seu interior, e poderemos finalmente ver como é que as galáxias se começaram a formar na madrugada cósmica."