Com informações da Agência Fapesp - 19/12/2017
Coesita
A busca pela fabricação do "melhor vidro possível" - um vidro de alta densidade e resistência - está encontrando inspiração em um mineral natural que é formado sob condições extremas.
O mineral coesita é um óxido de silício, ou sílica (SiO2), muito especial porque só é formado sob altíssimas pressões, cerca de 10 mil vezes mais do que a pressão atmosférica terrestre.
Isso ocorre, por exemplo, no impacto de corpos celestes, como cometas, meteoros ou meteoritos, em uma explosão nuclear ou no afloramento do manto terrestre - que se estende de 30 quilômetros a quase 3 mil quilômetros abaixo da crosta.
"Coesita é dióxido de silício. Sua composição química é a mesma do quartzo. A diferença é que a alta pressão desestrutura a rede cristalina característica do quartzo e compacta os átomos de silício e oxigênio em um sistema amorfo. O resultado é um vidro de alta densidade. Ultrapassada uma pressão-limite, o processo de amorfização torna-se irreversível e o material não consegue mais voltar à configuração cristalina," explica Caetano Rodrigues Miranda, da USP (Universidade de São Paulo).
Caetano faz parte de uma colaboração internacional, que reúne ainda pesquisadores da China e Itália, que acaba de desvendar esse processo de transformação da tão comum sílica em coesita.
Supervidro
A equipe elaborou um modelo consistente com os dados observacionais que descreve os mecanismos moleculares durante a transformação da sílica até a geração desse "supervidro".
"Seria muito difícil reproduzir em laboratório as condições de alta pressão encontradas no manto terrestre. Por isso, recorremos à simulação computacional, descrevendo as interações entre os átomos da forma mais realista possível, e mapeando, passo a passo, as transformações resultantes da variação de pressão," contou o pesquisador.
Usando espectroscopia Raman, a equipe simulou a dinâmica molecular do material conforme a pressão aumenta, mapeando passo a passo os múltiplos caminhos de transformação da coesita até sua completa amorfização.
"Cada estrutura apresenta um padrão bem característico no espectro Raman. À medida que a estrutura se modifica, devido à variação de pressão, esse padrão também muda. E isso nos possibilita saber quais são as estruturas presentes e como elas se transformam em função da pressão. A comparação com os resultados experimentais permite validar o modelo adotado," sintetizou Caetano.
Arte e tecnologia
Um aspecto interessante do estudo foi a "sonificação" dos espectros Raman encontrados. A sonificação consiste em converter as altas frequências características da luz em baixas frequências típicas do som.
"A sonificação possibilita utilizar a audição em vez da visão na análise dos dados. Do ponto de vista científico, a vantagem desse procedimento decorre do fato de a audição permitir identificar melhor pequenas variações ou dados mais complexos. É mais fácil ouvir do que ver. Além disso, há também uma vantagem do ponto de vista artístico, pois, com os fragmentos sonoros obtidos, é possível compor música. Estabelece-se assim uma ponte entre ciência e arte," disse Caetano.
Além da arte, espera-se que equipes experimentalistas possam agora usar o novo modelo para caminhar rumo ao melhor vidro possível. A expectativa é que esse material, quando sintetizado, apresente propriedades muito específicas, por exemplo, com relação à condutividade térmica.