Yves Sciama/Research Europe - 20/07/2009
Ao longo dos últimos 30 anos, Joel de Rosnay tem se baseado em seus conhecimentos em biologia e tecnologias avançadas para investigar os recursos à disposição da civilização digital. Esta é uma entrevista dada por ele durante um evento chamado Diálogo Mundial do Conhecimento, uma reunião interdisciplinar, focada no futuro, da qual participam alguns dos maiores pensadores mundiais.
Que tendências você vê emergindo da interconectividade global entre humanos e computadores?
Primeiro de tudo eu gostaria de salientar que há mais na civilização digital que nós estamos entrando do que só a Internet. Ela também cobre as telecomunicações (telefone, televisão), satélites e ambientes inteligentes, por exemplo. É verdade, entretanto, que a Internet do futuro, com seus blogs, emails, vídeos, mensagens e sistemas móveis, irá favorecer uma interação entre os usuários cada vez maior.
A Internet se desenvolveu como um sistema darwiniano, gerando filhotes como a árvore evolucionária da vida. Há pouquíssimo planejamento no desenvolvimento da World Wide Web, mas sim uma multiplicidade de iniciativas de indivíduos ou de pequenos grupos. Nós estamos testemunhando uma genuína auto-organização de uma inteligência "cooperativa" ou "conectiva" - termos que eu prefiro chamar de coletiva.
Você fala de vez em quando de um "superorganismo global" para descrever o que nós estamos testemunhando...
Eu tenho usado várias metáforas para tentar tornar as pessoas conscientes do que está acontecendo, algo que é difícil explicar porque é um novo paradigma. No O Homem Simbiótico, publicado em 1995, eu falava de "cibionte", um termo composto do prefixo "cib", de cibernética e da raiz "bio", que se refere à vida, ao mundo vivente. Este termo descreve, portanto, um organismo vivo que é um meta-organismo global. Até hoje, os principais organismos globais que conhecemos têm sido as cidades, nações, grandes organizações internacionais ... mas com o cibionte nós chegamos a um novo nível de complexidade - um superorganismo global para o qual nós estamos assim como os neurônios estão para o cérebro.
Esta metáfora é utilizada por outros cientistas, como E.O. Wilson, em seu último livro. Ele faz eco da teoria Gaia, formulada por James Lovelock, segundo a qual a Terra é um ser vivo.
Como eu explico no O Homem Simbiótico, eu vejo a fusão de dois elementos: por um lado, Gaia, que é o metabolismo do planeta, com seus fluxos de energia e de matéria (carbono, nitrogênio, ciclo da água) e, por outro lado, o cibionte, que é o sistema nervoso no processo de auto-organização.
Quem programa esse supercomputador?
Os próprios internautas! Aqueles a quem me refiro como o "pronetariado", um termo que designa aqueles que são, e para quem é, a Internet. [usando prone como prefixo, que significa propenso, predisposto.] Claro que há aqui uma referência a Marx e seu chamado para o proletariado do mundo para se unir. O pronetariado - além do fato de que eles já estão unidos - também são diferentes do proletariado no sentido de que eles têm os seus próprios meios de produção.
Com um simples computador portátil, fazendo o upload de fotografias, artigos, links, tags, comentários, cada um de nós está reprogramando esse meta-computador global a partir de dentro. E o mais surpreendente de tudo é que esta gigantesca máquina na qual somos os elementos vivos tem funcionado ininterruptamente há quase 20 anos. Em poucas décadas, sem dúvida, este sistema irá incluir o seu próprio sistema imunológico, como o de uma criatura viva, capaz de combater vírus e spam no interesse comum.
Será que a emergência dessa inteligência cooperativa é uma coisa boa para as sociedades humanas?
Eu não faço julgamentos, eu simplesmente tento analisar as potencialidades e os perigos. O potencial é excelente: por exemplo, repensando as relações entre políticos e cibercidadãos - o que, de qualquer forma, precisa ser feito - poderíamos inventar uma ciberdemocracia genuína, uma democracia mais participativa que poderia complementar a tradicional democracia representativa.
Isto implica, naturalmente, trabalhar para assegurar que esta inteligência emergente leve ao que James Surowiecki chama "A Sabedoria das Multidões". Mas não há garantia de que esta sabedoria irá sempre se manifestar na direção correta. Multidões também podem tornar-se loucas, amplificar efeitos diminutos, reagir com ódio ou se virar contra aqueles que questionam.
Você pode ver outros riscos inerentes ao desenvolvimento da civilização digital, tais como um aumento do controle por parte dos governos?
O cerceamento das liberdades individuais é um risco que existe há muito tempo tempo.
Os governos têm sempre usado escutas telefônicas, vigilância, registros em arquivos... em suma, inteligência. Só que agora isso é possível em uma escala diferente dadas as possibilidades técnicas oferecidas pelos satélites, telefones celulares, cartões de crédito, RFID, armazenamento de informações etc.
Mas eu vejo como sendo o principal risco a criação de uma sociedade dual tanto com um individualismo excessivo (como frequentemente vemos entre os jovens) e um crescente tribalismo - uma identificação cada vez mais forte com uma comunidade, o que me faz temer movimentos grupais levando as pessoas em direções para as quais elas não tiveram tempo suficiente para pensar a respeito.
Eu tenho sempre escrito que, quanto mais o mundo torna-se global, mais ele se torna igualmente tribal. Isto é tanto positivo quanto negativo.
As pessoas têm uma afinidade com o seus países, sua cultura, sua língua, suas raízes e seu território, e tudo isto é positivo. Mas, quando levado ao extremo, isso conduz a um nacionalismo excessivo que se torna perigoso.
Será que não estamos vendo também o desenvolvimento de um tribalismo científico na medida em que pesquisadores se isolam dentro de suas disciplinas?
Eu pensei sobre isso 20 anos atrás: as disciplinas estavam se tornando cada vez mais estreitas e há uma aparente dificuldade em se comunicar com outros cientistas. Mas isto já não é totalmente o caso na medida que existe uma convergência das ciências complexas, do enfoque sistêmico e particularmente através da teoria do caos.
Agora estamos vendo leis análogas em domínios muito diferentes: cibernética, ecologia, economia e fisiologia, por exemplo. Por isso, é possível retornar a uma era de especialistas que têm um conhecimento detalhado de um determinado campo, mas ao mesmo tempo transcendem este campo através de um enfoque sistêmico. Esses especialistas tanto compreendem quanto são inspirados por outras disciplinas e são também, portanto, generalistas.
Estamos vendo agora a chegada de pesquisadores jovens, mais generalistas, que falam com os meios de comunicação - por vezes gerando conflitos com os cientistas mais velhos e mais ligados à disciplina, que os acusam de falar sobre assuntos fora do seu domínio.
É para defender essa interdisciplinaridade que você decidiu participar da reunião do Diálogo Mundial do Conhecimento?
Estou participando porque é um fórum, um lugar e uma organização que é incomparável em nível internacional, no sentido de reunir as idéias de cientistas, filósofos, sociólogos, industriais e políticos sobre a forma como o mundo está se desenvolvendo e sobre os grandes desafios do futuro. Os debates são abertos, e a expressão é tolerante, respeitando as opiniões de todos os interessados. Isso cria uma atmosfera calma e pacífica que é propícia à criação coletiva.