Sophie Hebden - FQXI - 18/01/2013
Tudo é ilusão
Um imperador indiano estava irritado com um guru que insistia que tudo é maya: uma ilusão.
Para provar que o guru estava errado, o imperador convidou-o ao seu palácio e soltou um elefante em disparada em direção a ele.
Vendo que o guru botava sebo nas canelas, o imperador gritou-lhe: "Por que você corre tão rápido, sabendo que o meu elefante é apenas uma ilusão?"
O guru gritou, já à distância: "Oh, imperador, minha corrida também é uma ilusão, tudo neste mundo é uma ilusão."
Andrew Strominger (Universidade de Harvard), que trabalha com a teoria das cordas, é um dentre vários físicos que, surpreendentemente, concordam com o guru nesta antiga história - apenas troque a palavra "maya" por "holográfico".
Holograma do futuro infinito
Cerca de dez anos atrás, Strominger teve uma ideia bizarra. Ele imaginou que o nosso universo é uma imagem projetada para trás no tempo a partir de um holograma localizado na fronteira do cosmos, no futuro infinito.
Conforme a imagem se projeta para o passado, ela se desvanece, tornando-se granulada e indefinida, eventualmente esmaecendo-se até a nada.
É uma noção estranha mas que, ao longo da última década, tem conquistado cada vez mais credibilidade, especialmente no âmbito matemático desenvolvido pelos teóricos das cordas.
Se estiver correta, a ideia pode ajudar a explicar como o Universo, e o tempo como nós o conhecemos, surgiu do nada, assim como pode ajudar na busca da unificação da mecânica quântica, a teoria que governa as partículas em pequena escala, e a relatividade geral, que descreve o cosmos em grande escala, gerando uma teoria global da gravidade quântica.
"É uma das coisas mais especulativas em que já trabalhei," admite Strominger. "Mas, se acontecer de estar certo, então será uma das coisas mais interessantes que já fiz."
O contraste com a cosmologia do Big Bang é claro: não há o apertar de um botão e de repente tudo surge do nada.
Na teoria do holograma, conforme o tempo flui, tem-se um processo agradavelmente lento e contínuo de criação, conforme mais e mais do holograma vem surgindo diante dos olhos.
Neste quadro, de forma um tanto assustadora, até mesmo os seres vivos seriam projeções do futuro. "Não seria a primeira vez na física que o inimaginável seria entendido como realidade," retruca Strominger, atendo-se às suas equações.
Buracos Negros e Hologramas
As raízes das últimas ideias de Strominger sobre um universo projetado datam da década de 1970, quando os físicos Stephen Hawking e Jacob Bekenstein calcularam que o conteúdo de informação de um buraco negro (descrito matematicamente por sua entropia) é proporcional à sua área superficial. Isto foi surpreendente porque a maioria das pessoas esperava que a relação deveria ser com o volume do buraco negro.
Sua descoberta foi apelidada de "princípio holográfico" porque ela mostra que a informação sobre um buraco negro tridimensional é codificada em sua superfície bidimensional, tal como um holograma.
Então, em 1996, Strominger e seu colega Cumrun Vafa derivaram uma descrição estatística precisa da entropia de um buraco negro em termos de estados de energia microscópicos na superfície do buraco negro.
Em particular, eles fizeram uma conexão com as equações normalmente usadas para descrever o comportamento das partículas: a Teoria Quântica de Campos.
Eles perceberam que as equações que estavam utilizando para descrever as propriedades do buraco negro eram semelhantes àquelas utilizadas para descrever um sistema de partículas utilizando a teoria quântica de campo, mas em um universo sem gravidade.
Um ano depois, Juan Maldacena, do Instituto de Estudos Avançados (IAS) em Princeton, descobriu uma equivalência matemática entre dois tipos de universos: o primeiro universo contém partículas que obedecem à teoria quântica de campos, mas não contém a gravidade; o segundo universo contém cordas e gravidade, e um tipo especial de geometria do espaço-tempo negativamente curvada (chamado de "universo anti-de Sitter"), exatamente como o que se acredita ser encontrado dentro de buracos negros.
Isto pode parecer um monte de matemática obscura, mas teve um enorme impacto na física teórica. Quando os físicos ficam travados porque suas equações são muito difíceis de resolver, eles podem mudar para o universo espelho, onde a matemática é muitas vezes mais fácil, e terminar seus cálculos lá, antes de transferir suas respostas de volta para o universo "positivo".
O Universo Projetado
A conjectura de Maldacena, ligando estes dois universos, tem-se mostrado um sucesso matemático espetacular, afirma Strominger: "Nós a entendemos em um nível de detalhamento incrível, é um enunciado belo e preciso e há um consenso geral de que há provas contundentes de que ela está correta."
No entanto, no geral o Universo que vemos ao nosso redor não é negativamente curvado, limitando as aplicações da correspondência de Maldacena. De fato, no final de 1990, os astrônomos descobriram o contrário: que a expansão do Universo está se acelerando - algo que eles atribuem a algum tipo de "energia escura" que o empurra para fora, no sentido oposto à gravidade.
Um cosmos no qual a energia escura desempenha o papel mais importante é conhecido como um "universo de Sitter" (em contraste com o universo "anti-de Sitter", que compõe um metade do relacionamento de Maldacena).
Assim, a busca tem sido para encontrar um princípio de correspondência similar ao de Maldacena, mas para um universo de Sitter, em vez de um universo anti-de Sitter.
Isso não tem sido fácil, explica Strominger. "Tem sido muito frustrante tentar entender o espaço de Sitter no âmbito da teoria das cordas, e eu passei muitos anos tentando. Acaba sempre sendo complicado e não é especialmente belo," diz ele, acrescentando modestamente: "Eu simplesmente não tive êxito - mas eu não tive êxito na maioria das coisas que fiz. Mas mesmo quando você está tentando e não consegue, você está sempre aprendendo alguma coisa."
A estranha gravidade
De fato, durante esse esforço, Strominger aprendeu com uma teoria pouco conhecida, do físico russo Misha Vasiliev, que descreve como partículas interagem entre si. Embora relacionada com a teoria das cordas, ela inclui uma série de novas partículas sem massa com propriedades incomuns que nunca foram observadas.
"Todo o mundo concorda que a gravidade de Vasiliev é uma teoria estranha. Apesar disso, ela parece ser matematicamente autoconsistente e, de muitas maneiras, muito mais simples de analisar do que a teoria das cordas," diz Strominger.
Utilizando o modelo de Vasiliev para a gravidade, Strominger e seus colegas pegaram a correspondência de Maldacena do espaço anti-de Sitter e aplicaram-na ao espaço de Sitter.
Este é o primeiro exemplo de como um universo que é fisicamente mais semelhante a este em que vivemos pode ser compreendido em termos das informações contidas em uma superfície limítrofe, holograficamente projetada para trás no tempo.
"É algo muito radical, equivale a uma revolução total na maneira como vemos o Universo," diz Strominger. "Estamos muito longe de poder afirmar que é assim que as coisas funcionam no nosso próprio Universo, mas é um pequeno passo na direção correta. Isto fez as pessoas se interessarem pela ideia e quererem dar o próximo passo."
Maldacena concorda que o trabalho é "muito interessante" porque é o primeiro exemplo da correspondência com curvatura positiva, o que está mais diretamente relacionado ao Universo em que vivemos.
Tempo para as teorias
Se o nosso Universo é realmente uma projeção holográfica do futuro é algo que ainda está longe de qualquer tipo de teste observacional porque, até agora, só se demonstrou que a ideia é valida para este estranho modelo de universo de Vasiliev, em vez do nosso Universo real.
"Estamos fazendo as perguntas mais difíceis que podemos conceber," diz Strominger. "Leva muito tempo para entender qual é a pergunta, é preciso um tempo para entender a resposta, e leva um tempo ainda maior para testá-la. Você tem que ser um pouco maluco para trabalhar com essas coisas, porque é algo que consome anos."
Nós apenas podemos esperar que nossas projeções holográficas durem um tempo suficiente para que os físicos possam testar a resposta, eventualmente enfrentando pelo caminho alguns imperadores entediados com nossas teorias.