Com informações da Agência Fapesp - 27/06/2016
Interação dipolar
Um experimento inédito filmou a trajetória de átomos individuais e revelou a interação de um átomo conforme ele se aproximava de outro.
O estudo foi realizado pelo brasileiro Luís Felipe Gonçalves, sua colega tailandesa Nithiwadee Thaicharoen e o supervisor dos dois, Georg Raithel, na Universidade de Michigan, nos Estados Unidos.
De forma análoga ao que acontece quando se espalha limalha de ferro sobre uma folha de papel e se coloca por baixo da folha uma barra imantada, possibilitando a visualização das linhas de força do campo magnético, este experimento, com procedimentos muito mais sofisticados, permitiu visualizar o ordenamento espacial dos átomos em reação a um campo elétrico.
Um resultado notável do estudo foi a obtenção experimental do valor numérico do parâmetro da interação dipolar entre dois átomos, que descreve o quanto a energia de um átomo varia em função da distância em relação a outro átomo próximo.
Para o material usado no experimento, o rubídio (Rb), o valor teórico no estado excitado escolhido é de 3,72 x 10-42 joules vezes metros cúbicos (J.m³) - o experimento permitiu chegar ao valor de 3,3 (± 1,8) x 10-42 J.m³.
"Foi uma medida direta do parâmetro. E também a primeira visualização, por meio de imagem, desta interação entre dois átomos. Observamos, experimentalmente, que essa interação é de fato anisotrópica, isto é, depende da posição relativa dos átomos," disse Luís Felipe.
Átomo de Rydberg
O experimento foi realizado com átomos de rubídio no interior de uma câmara de ultra-alto vácuo. Aprisionados por uma armadilha magneto-óptica, constituída por três feixes de laser ortogonais e um campo magnético externo, dezenas de milhões de átomos, em seu estado fundamental, foram aprisionados em uma região esférica, com aproximadamente um centímetro de diâmetro, na intersecção das três linhas de luz.
Desse conjunto de dezenas de milhões de átomos, um pequeno número foi excitado por um pulso de laser, que os levou do estado fundamental ao chamado estado de Rydberg, no qual, devido ao aporte de energia externa, os elétrons são deslocados para as camadas mais externas do átomo, mas ainda não se desprendem dele - portanto, sem ionização.
"Nos estados excitados, esses átomos se tornam muito interagentes. E, neste estado especifico, chamado de '50S', a interação é isotrópica e repulsiva. Uma explicação bastante simplificada é dizer que isso acontece porque os elétrons mais externos se distribuem com igual probabilidade em todas as direções. Devido à repulsão eletromagnética das cargas negativas dos elétrons, os átomos se repelem, mas o fazem de forma isotrópica, isto é, independentemente da direção espacial. Para levar o experimento adiante, o próximo passo foi aplicar um campo elétrico sobre o conjunto", afirmou o pesquisador.
O campo elétrico externo polarizou cada átomo excitado, fazendo com que os elétrons mais externos se concentrassem, com maior probabilidade, em uma certa região da camada externa. Assim, embora em seu conjunto o átomo seja eletricamente neutro, uma vez que as cargas positivas do núcleo contrabalançam as cargas negativas dos elétrons, ele passa a se comportar em seu interior como um dipolo elétrico. Algo parecido como um pequeno ímã, com um polo positivo, formado pelo núcleo, e um polo negativo, formado pela região de concentração da nuvem eletrônica.
"Tomamos o cuidado de aumentar a intensidade do campo elétrico muito gradativamente, de modo a produzir uma transformação adiabática, isto é, sem mudança de estado atômico," acrescentou Luís Felipe.
Filmando átomos
Uma vez polarizados, os átomos passaram a interagir de forma anisotrópica, atraindo-se ou repelindo-se de acordo com sua posição relativa - mais precisamente, de acordo com o ângulo formado pela direção do campo elétrico externo e o eixo internuclear. "Quando o eixo de polarização dos átomos, que tem a mesma direção e sentido do campo elétrico, se alinha ao eixo internuclear, eles passam a se atrair uns com os outros. E se repelem quando o campo é aplicado na direção ortogonal," descreveu o pesquisador.
Propelidos pela atração ou repulsão elétricas, os átomos puderam evoluir ao longo do tempo no interior da armadilha. Até o instante em que um pulso elétrico muito forte, projetado pela ponta de uma agulha, localizada cerca de 400 micrômetros abaixo da amostra, ionizou os átomos, arrancando os elétrons mais externos e arremessando os íons ao encontro de um detector. "Esse detector possui uma tela de fósforo que apresenta fluorescência a cada vez que é percutida. Assim uma série de imagens, mostrando a posição de cada átomo, foi gerada", explicou Luís Felipe.
Ao ser lançado, o feixe de íons se espalha, de modo que a distância entre dois átomos aumenta. Na armadilha, ela é da ordem de poucos micrômetros. Ao incidir no detector, já é da ordem de milímetros. Essa divergência é controlada e pode ser medida. "Medindo as distâncias de todos os íons, dois a dois, obtivemos, para cada disparo, um conjunto de valores para as coordenadas x e y. E convertemos cada par de valores em um ponto de uma matriz bidimensional de correlação. Cada quadro da matriz corresponde a cerca de 5 mil imagens registradas pelo detector. Quadros sucessivos, gerados a intervalos de tempo de 2 microssegundos, permitiram observar a evolução das interações ao longo do tempo", detalhou Luís Felipe.
Foi a primeira vez que se obteve uma imagem em nível atômico deste efeito. E a medição da evolução das distâncias possibilitou calcular numericamente o valor do parâmetro de interação, confirmando o valor teórico.