Com informações do ESO - 01/12/2016
Birrefringência do vácuo
A observação de uma estrela de nêutrons muito densa e fortemente magnetizada pode ter revelado os primeiros indícios observacionais de um estranho efeito quântico, previsto ainda nos anos 1930, mas nunca comprovado.
A polarização da radiação detectada pelo telescópio VLT, no Chile, indica que o espaço vazio em torno da estrela de nêutrons está sujeito a um efeito quântico conhecido por birrefringência do vácuo.
Apesar de ser uma das estrelas de nêutrons mais próximas de nós, a luminosidade muito baixa da RX J1856.5-3754, situada a cerca de 400 anos-luz de distância da Terra, só foi captada graças a um novo instrumento, chamado FORS2, que está no limite da atual tecnologia de telescópios.
Completude do vácuo
Normalmente, a palavra vácuo sugere um espaço completamente vazio, onde qualquer luz ou radiação viaja sem ser importunada. No entanto, na eletrodinâmica quântica - a teoria que descreve a interação entre fótons de luz e partículas com carga, como elétrons - o espaço encontra-se repleto de partículas virtuais que aparecem e desaparecem a todo o momento - para separar essa "efervescência" de partículas da noção trivial de vácuo, os físicos chamam seu "vazio" de vácuo quântico.
Ocorre que campos magnéticos muito fortes podem modificar esse pulular de partículas virtuais e reais, de tal maneira que o vácuo quântico de fato afeta a polarização da luz que passa através dele.
As estrelas de nêutrons são restos de núcleos muito densos de estrelas massivas - pelo menos 10 vezes mais massivas que o Sol - que explodiram sob a forma de supernovas no final das suas vidas. Elas possuem o que provavelmente são os campos magnéticos mais fortes do Universo, bilhões de vezes mais fortes do que o campo do nosso Sol.
E a teoria prevê que estes campos magnéticos são tão fortes que afetam inclusive as propriedades do espaço vazio - o vácuo quântico - ao redor da estrela.
"De acordo com a eletrodinâmica quântica, um vácuo altamente magnetizado comporta-se como um prisma no que diz respeito à propagação da radiação, um efeito conhecido por birrefringência do vácuo," explicou o astrônomo italiano Roberto Mignani, líder das observações.
Como o espaço influencia a luz
Foi este efeito de prisma que a equipe acredita ter identificado. Eles detectaram uma polarização linear - com um grau significativo de cerca de 16% - que os astrônomos atribuem ao efeito de birrefringência do vácuo ocorrendo no espaço vazio que rodeia a estrela de nêutrons, onde atua seu fortíssimo campo magnético.
"A alta polarização linear que medimos com o VLT não pode ser explicada facilmente pelos nossos modelos, a menos que incluamos o efeito de birrefringência do vácuo previsto pela eletrodinâmica quântica," explicou Mignani.
Existem outros processos que podem polarizar a emissão estelar à medida que esta viaja pelo espaço. A equipe verificou de forma cuidadosa outras possibilidades - por exemplo, a polarização criada pela dispersão da radiação em grãos de poeira - mas considerou pouco provável que dessem origem ao sinal de polarização observado.
A expectativa da equipe é que novos instrumentos, que deverão entrar em operação nos próximos anos, possam confirmar seus dados e permitir usar essa técnica para avaliar como a luz que nos chega dos corpos celestes mais distantes pode estar sendo alterada pelo vácuo quântico em seu caminho até nós.
"Medições de polarização com a nova geração de telescópios, tais como o ELT (European Extremely Large Telescope) do ESO, podem desempenhar um papel crucial nos testes de previsões da eletrodinâmica quântica de efeitos de birrefringência do vácuo em torno de muitas mais estrelas de nêutrons," disse Mignani.