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Brasileiros corrigem modelo da formação de aglomerados de galáxias e estrelas

Com informações da Agência Fapesp - 17/11/2017

Brasileiros corrigem modelo da formação de aglomerados de galáxias e estrelas
Simulações numéricas mostram que a fusão de aglomerados de estrelas e galáxias apresenta um comportamento peculiar - a oscilação da entropia na fase inicial do processo.
[Imagem: Nasa]

Relaxação violenta

Quando os aglomerados de estrelas (globulares) e os aglomerados de galáxias se formam, ocorre um fenômeno chamado "relaxação violenta" - após interagirem intensamente entre si, os milhares ou até milhões de corpos celestes chegam a uma situação de relativo equilíbrio gravitacional e a uma distribuição espacial de certo modo duradoura.

Mas um grupo de pesquisadores brasileiros deu-se conta de que a visão que se tinha acerca da relaxação violenta estava equivocada. E tratou de corrigi-la.

"O processo de relaxação sempre foi analisado por meio da chamada Equação de Vlasov, uma equação diferencial proposta, em 1931, pelo físico russo Anatoly Alexandrovich Vlasov [1908-1975], para descrever os processos cinéticos que ocorrem no plasma," contou Laerte Sodré Júnior, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP, um dos autores do estudo.

"O problema é que a Equação de Vlasov supõe que a entropia do sistema seja constante - isto é, que não ocorra produção de entropia. Vale dizer, que a situação seja simétrica no tempo - uma vez que a seta do tempo é determinada pelo aumento de entropia. Isso obviamente não acontece no fenômeno real," disse Sodré.

Se fosse verdadeiro, um processo desse tipo - reversível no tempo - exigiria uma revisão dos próprios fundamentos da física. Por isso, a literatura especializada se referia a ele como "paradoxo fundamental da dinâmica estelar".

"Tínhamos claro que alguma coisa estava errada e nossa suspeita foi confirmada pelo estudo. A solução que encontramos para o suposto 'paradoxo' pode ser resumida em uma frase curta: a Equação de Vlasov simplesmente não se aplica ao caso," disse Sodré.

Brasileiros corrigem modelo da formação de aglomerados de galáxias e estrelas
Recentemente, outro grupo de brasileiros incorporou as flutuações quânticas ao conceito de entropia.
[Imagem: Steve Jurvetson/Wikimedia Commons]

Entropia que aumenta e diminui

Para comprovar essa ideia intuitiva, os pesquisadores precisaram se valer de pesados recursos computacionais. A interação gravitacional entre esses corpos celestes (galáxias ou estrelas) é bem descrita pela Lei da Gravitação Universal de Newton (cuja publicação completou 330 anos em 2017). O problema é matematicamente simples de resolver quando se trata de um sistema de dois corpos, mas a solução analítica se torna inviável em sistemas envolvendo milhares ou até milhões de corpos, cada qual interagindo gravitacionalmente com todos os demais. Daí a necessidade de se recorrer a complexas simulações numéricas.

"Empregamos técnicas numéricas desenvolvidas pelo astrônomo norueguês Sverre Aarseth, que é o grande especialista nesse tipo de simulação envolvendo muitos corpos. São simulações que exigem tanta capacidade computacional que, para realizá-las, tivemos que usar clusters de GPUs [Graphics Processing Units], muito mais eficientes do que as CPUs [Central Processing Units], usualmente utilizadas. Mesmo assim, cada simulação durou vários dias," explicou Sodré.

As simulações mostraram que a entropia aumenta durante as colisões. Mas, além desse resultado previsível, houve outro, bem mais difícil de entender. É que, se no longo prazo a entropia cresce, no começo do processo de relaxação ela apresenta um comportamento oscilatório: ora aumenta, ora diminui.

"Pode parecer contraditório com o que se sabe sobre entropia, que é tida como uma grandeza que sempre aumenta. É certo que, no longo prazo, ela aumenta inexoravelmente, mas isso não ocorre o tempo todo. O grande alcance das interações gravitacionais faz com que os corpos estabeleçam correlações entre si e são tais correlações que determinam o caráter oscilatório da entropia na fase inicial do processo", disse Sodré.

Brasileiros corrigem modelo da formação de aglomerados de galáxias e estrelas
A entropia também pode ser usada para construir coisas, criando ordem a partir da desordem.
[Imagem: Haji-Akbari et al./Nature]

Vaivém da entropia

"Podemos pensar a questão nos seguintes termos. A entropia possui dois aspectos. Um puramente caótico, associado à segunda lei da termodinâmica e que corresponde à entropia convencional. Outro é decorrente dessas correlações, elas se perdem com o tempo, porém de forma mais lenta. E é isso que determina o comportamento oscilatório," explicou o pesquisador.

Talvez fique mais fácil de entender ao se imaginar um conjunto de mil estrelas ou de mil galáxias, confinadas em um certo volume, todas inicialmente com velocidade zero. Devido à interação gravitacional, cada uma passa a atrair todas as demais e a distribuição inicial se modifica, ora encolhendo, ora expandindo.

Esse vaivém, determinado por interações de longo alcance, associa-se a oscilações de entropia. E perdura até que o sistema todo alcance uma situação de relativo equilíbrio, em que fica de certo modo estável em termos de suas propriedades gerais. No século 19 essa situação recebeu o nome de "equilíbrio do virial" - designação que se mantém até hoje.

"Trata-se de uma característica peculiar das interações gravitacionais. As interações eletromagnéticas também são de longo alcance, mas, como a matéria em geral é eletricamente neutra, seu efeito acaba ficando confinado em um volume restrito. Esse efeito de blindagem não ocorre com a força gravitacional. Em princípio, ela pode se estender até o infinito. E isso cria as tais correlações", disse Sodré.

Embora interajam com o conjunto do Universo, os aglomerados de galáxias e os aglomerados globulares podem ser pensados como sistemas fechados, "não dissipativos". Isso significa que sua energia total não é perdida para o meio exterior, mas se conserva.

Alguns corpos ganham muita energia cinética e ficam com velocidade superior à velocidade de escape, desprendendo-se do sistema, mas isso não é muito relevante no conjunto. De modo geral, a oscilação de entropia deve ser pensada como processo interno, que não envolve troca de energia com o meio.

"Que eu saiba, só existe outro tipo de sistema que exibe essas oscilações de entropia. São reações químicas nas quais o composto que vai sendo produzido serve de catalisador para a reação inversa. Então, a reação fica indo de um lado para o outro, e a entropia do sistema oscila," disse Sodré.

O novo estudo resolveu o "paradoxo fundamental da dinâmica estelar" e deu uma feição mais realista à formação das macroestruturas cósmicas.

Bibliografia:

Artigo: The Arrow of Time in the Collapse of Collisionless Self-gravitating Systems: Non-validity of the Vlasov–Poisson Equation during Violent Relaxation
Autores: Leandro Beraldo e Silva, Walter de Siqueira Pedra, Laerte Sodré, Eder L. D. Perico, Marcos Lima
Revista: The Astrophysical Journal
Vol.: 846, Number 2
DOI: 10.3847/1538-4357/aa876e
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